sábado, 15 de junho de 2019

Seguir Filmando | CRÍTICA (8º Olhar de Cinema)


Desde que as câmeras passaram a estar nas mãos de gente comum disposta a retratar seu cotidiano, o documentário mudou sua perspectiva de abordagem apesar, muitas vezes, do amadorismo evidente na imagem. Não é de hoje também que tais pessoas decidiram fazer a diferença em momentos históricos e conseguiram capturar em fotogramas acontecimentos que não se repetem outra vez ou ainda, com tanto material acumulado, acaba proporcionando um precioso registro que não se vê nas rotineiras e breves passagens jornalísticas, vide o exemplo do ótimo Cinco Câmeras Quebradas e toda a problemática envolta da Faixa de Gaza.

Seguir Filmando, vencedor do Prêmio de Contribuição Artística no 8º Olhar de Cinema, é desses filmes que dissecam seu tema a partir de centenas de horas de filmagens para entregar algo desprovido de maquiagens visuais e sonoras que tendem a inclinar o espectador para um tipo de comportamento perante a sequência de imagens; desses que nos apresentam as trágicas consequências da Guerra na Síria com os pés no chão além do breve Os Capacetes Brancos, vencedor do Oscar em 2017. A partir de filmagens obtidas entre 2011 e 2015, os diretores Saeed Al Batal & Ghiat Ayoub entregam um imersivo compilado do que é sobreviver e resistir em meio ao pó e bombardeios.


Antes alunos de cursos de Artes, Saeed e Ghiat veem sua nação se afundar nos conflitos da repressão causada pelo presidente Bashar Al-Assad e não ficam parados. Migrando para Douma, a dupla registra em vídeo as imagens fortes que encontram pelas ruas: pilhas de corpos, que são envoltos em panos e enterrados em valas comuns; prédios reduzidos a pó por mísseis e tanques, além da depredação de patrimônios públicos diante da cólera dos dois extremos. Acompanhando-os no processo, que inclui até mesmo eles apresentando o processo de edição para, em seguida, postarem os devidos trechos no YouTube, os jovens também vivem e se reservam a alguns momentos de sossego: tomam mate, dançam ao redor da piscina com outros amigos, filmam uma amiga ser tatuada por um deles.

Nos conflitos que se intensificam, principalmente a Batalha pela Conquista da Capital em 2013, ambos resistem e participam ativamente da guerra. Em meio a outros jovens que portam fuzis porque não veem outra alternativa, Saeed e Ghiat conduzem a câmera pelos escombros e, num momento específico, solicitam para um dos companheiros para abrir um buraco um pouco maior na parede para que o alcance do zoom da câmera possa tentar avistar algum movimento do inimigo do outro lado. Não apenas para filmar, mas utilizando o recurso como ferramenta estratégica. Amigos caem em campo e não ouvem os chamados daqueles que continuam na luta que, reflexivos no ato de matar, também deixam outra questão no ar: será que é possível ser forte nesta guerra?



Da força contra o Estado Islâmico, do pedido de uma garota para ser filmada, e assim, ser vista posteriomente por sua mãe a outros incidentes que tentam enxergar um indício de paz, Still Recording é, definitivamente, um filme que precisa circular e aumentar seu alcance de exibição. Mediante suas cenas finais que prendem a respiração de qualquer um, o documentário se prova ser um autêntico representante do cinema como arquitetura do inesperado além da bravura de seus realizadores. 



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