Há um poder indescritível no cinema de Jafar Panahi e não se trata nem de narrativas com uma escala épica ou coisa similar, mas a sua inabalável vontade de filmar ante todos os impeditivos que o circundam. Colecionando condenações dadas pelo governo iraniano há mais de quinze anos, o cineasta viu nas restrições (dentre elas, o fato de sequer poder sair de sua própria casa) formas inusitadas de se contar histórias, ainda mais munido das possibilidades que o iPhone passou a oferecer com tecnologias de alta definição. Seja com This Is Not A Film ou o breve Hidden, Panahi prende a atenção com muito pouco e, agora, demonstra sua econômica destreza com a intricada narrativa contada em Foi Apenas Um Acidente.
Vencedor do Grande Prêmio do Festival de Cannes, em 2025, o filme é uma máxima sobre juízo de valor, propondo um diálogo constante sobre até onde vai a nossa bondade …ou o contrário disso. Começamos a narrativa sabendo pouquíssimo sobre os personagens, o que é curioso, pois seria exatamente essa carência de informações que nos leva a mudar nossas impressões a todo o instante em que algo é revelado – um som, um lugar, uma pessoa que um conhecido indicou. Tudo aqui não é gratuito, embora, como dito anteriormente, Panahi é econômico em sua decupagem e evita muitas trocas de planos. Tudo se torna mais intrigante
Desprendido de um gênero fixo, embora se incline a um thriller político, Panahi nos conduz pelo que parece uma comédia de erros, angariando tipos cada vez mais improváveis (a fotógrafa que lembra Glória Pires, o casal de noivos) e de motivações mais acaloradas contra o suposto vilão. Há cenas engraçadas que nos fazem rir das trapalhadas daquela gente indecisa; outras, prendem a respiração porque as consequências podem vir senão de uma força maior. Em tempos intolerantes e coléricos, o cineasta põe em xeque o âmago de querer fazer justiça com as próprias mãos, mas é possível resgatar o que entendemos por humanidade?
Fascinantemente singelo, Foi Apenas Um Acidente clama por seu desconhecimento prévio para embarcar em uma viagem cinematográfica que fala muito sem firula.
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