segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Minha Vida de Abobrinha | CRÍTICA


Filmado com bonecos feitos à mão, Minha Vida de Abobrinha (Ma vie de Courgette) é um dos indicados a melhor animação do Oscar deste ano. Não é pra menos: inspirado no romance de Gilles Paris, "Autobiografia de uma Abobrinha", a animação franco-suíça em stop motion dirigida por Claude Barras e escrita por Céline Sciamma é de uma expressividade cruamente sublime ao fugir dos modelos hiper-realistas hollywoodianos, alcançando uma humanidade muito maior que a vista na maioria das produções dos estúdios hegemônicos.

Icare (ou Abobrinha, como prefere ser chamado, dublado por Gaspard Schlatter) é levado a um orfanato logo após a morte repentina de sua mãe alcoólatra. Lá, encontra outras crianças órfãs – e então o espectador adentra um mundo completamente diferente. Forma e conteúdo trabalham em unicidade em prol da visão de mundo contemplada pela infância repleta de descobertas. Para além dos diálogos, os traços no espaço também revelam a diferenciação entre o mundo infantil e o mundo adulto, evidenciando a incompreensão dos pequenos diante de toda aquela situação muitas vezes desesperançosa. Em contrapartida, a relação entre o policial Raymond (Michel Vuillermoz) e Abobrinha é a ponte entre as fases da vida; um, o suporte racional, o outro, a emoção ingênua. O filme, assim, fala da necessidade geral do outro, homenageando particularmente as crianças negligenciadas e maltratadas; é um bálsamo para sérias feridas.


Através de uma sutileza dilacerante, Minha Vida de Abobrinha, além de criar empatia com personagens bastante redondas, acaba por costurar questões sociais europeias, o que culmina, mesmo que simbolicamente, em um verdadeiro panorama da Europa contemporânea e suas angústias, como por exemplo a questão dos refugiados africanos, aliado a problemáticas universalistas, tais como o alcoolismo, o consumo de drogas e a violência doméstica.

Em uma experienciação memorial quase que empírica, Icare e seus amigos não deixam de sentir a dor da orfandade, mas aprendem a suplantá-la pelas alegrias da vida com companhia e amizade. Embora bastante simples, o roteiro é eficiente e emociona, principalmente quando justaposto à iluminação primorosa do longa-metragem, que sabe evidenciar o que deve ser valorizado na hora exata em que o olhar sensível de quem assiste procura por um ponto de referência. É o que acontece, principalmente, com os grandes e tristonhos olhos das personagens; o olhar de Abobrinha diz muito mais em um único plano que muitos outros filmes em meia sequência. É lindo de se ver. Com certeza uma das melhores animações no ano passado, se não a melhor. Uma obra-prima que foge dos preceitos do cinema industrial – é arte, sem dúvida.



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