domingo, 26 de fevereiro de 2017

Um Limite Entre Nós | CRÍTICA


Se o preconceito sempre foi um dos grandes males da humanidade, há quem diga que o patriarcado do modelo tradicional de família também tem seus ares de opressão. Da submissão da esposa, relegada aos afazeres domésticos, aos presunçosos planos de vida relegados aos filhos (sem lhes dar escolhas), nesses casos, a voz do pai e marido é aquela que tem a primeira e última palavra dentro do lar – e ai daqueles que o contrariarem. Em Um Limite Entre Nós, Denzel Washington faz desse lastimável retrato paterno um combustível para atuações inflamadas com uma história que peca pelo descaso ao imagético.


Roteirizado por August Wilson a partir do romance e da peça assinada pelo mesmo, o filme se passa numa agradável vizinhança de Pittsburgh da segunda metade da década de 1950, o que não quer dizer que a segregação racial não exista por ali. Brancos dirigem caminhões de lixo enquanto os negros ficam na parte de trás fazendo o trabalho sujo, recebendo a quantia de setenta e sete dólares como salário. Queixas essas proferidas a todos os cantos pelo até-então carismático Troy Maxton (Washington) ao seu velho amigo Bono (Stephen McKinley Henderson) do trabalho até o quintal de sua casa, onde não deixa de tomar sua cachacinha e declamar todo seu amor para mulher, Rose (Viola Davis), e repetindo a mesma história de como se conheceram. Simpatia essa que desvanece quando cada um dos seus filhos, Lyons (Russell Horsnby) e principalmente Cory (Jovan Adepo), aparecem em casa pedindo dinheiro ou, no caso do mais novo, acaba de ser chamado para integrar um time de futebol americano e assim sonha fazer carreira, precisando da devida autorização do pai antes de tudo. Um sonho praticamente semelhante àquele que o próprio pai tinha antes de embarcar para a Segunda Guerra quando era um exímio jogador de beisebol.



À medida que Troy vai se tornando um sujeito mais odioso, proclamando extensamente suas origens difíceis aos quatro ventos e, assim sendo, acredita veemente que não precisa gostar dos filhos (sustentar a família é uma obrigação paterna) e que a dignidade só é encontrada pelo trabalho ao invés da música ou do esporte, não tarda para que Fences (em seu título original) demonstre ser uma narrativa bastante entranhada à montagem teatral, deixando que uma redundante verborragia se expresse ao invés de recorrer a elementos cênicos ou pelo menos uma sequência de imagens comprimindo diversos acontecimentos suficientemente óbvios ao espectador – algo que acontece por volta da metade de seu segundo ato. 

Todavia um descuido de Wilson e Washington nesta transcrição, a verdade é que o filme entrega grandes performances de seu elenco, ainda mais quando Viola Davis faz de sua dona de casa uma mulher forte e que, mesmo numa época onde o sexo feminino ainda era privado de tantos direitos, não se deixa abater diante das repreensões do parceiro. Carregada de emoção, o que se vê na tela é uma exposição dos anseios de uma mulher que sempre quis fazer outras coisas e até mesmo se apaixonar em sua quase vintena de casamento; uma representação merecedora de todos os prêmios que a ótima atriz levou até agora.



Alfred Hitchcock certa vez disse que tudo o que é dito, em vez de ser mostrado, faz o público perder seu interesse. Assim, quando as falas não são constantes (coisa rara), percebemos os bons atributos do longa, que vão da fotografia ensolarada de Charlotte Bruss Christensen (A Garota No Trem) aos figurinos tecidos em tons pastéis e o design de produção que, apesar dos planos fechados da decupagem de Washington, conseguem demonstrar a penitência daquela família diante de alguns quadros cristãos espalhados pelos cômodos. De qualquer forma, para uma produção que aparentemente surgiu como resposta ao #OscarSoWhite, é desapontador notar que Um Limite Entre Nós, ao enfatizar a construção de uma cerca (cuja metáfora também é exposta em fala), fecha-se em seu quadrado sendo nada mais do que uma refinada peça de teatro filmada com orçamento milionário.




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