segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Moonlight: Sob A Luz Do Luar | CRÍTICA


"A um certo ponto você terá que decidir por si mesmo quem você será. Não deixe que decidam por você". Durante a jornada da vida, existem pessoas, lugares, coisas ou até mesmo frases que ficam marcadas para sempre, moldando nosso caráter e justificando nossas ações, para o bem ou para o mal. Projetando um singelo, porém belíssimo estudo de personagem a partir de recortes da infância, adolescência e da fase adulta, Moonlight: Sob A Luz Do Luar faz poesia visual com seus elementos que, se estivessem em mãos pretensiosas, apresentariam apenas um comum retrato das ditas minorias.


Dirigido e roteirizado por Barry Jenkins a partir do texto para teatro de Tarell Alvin McCraney, o filme se dispõe de três capítulos ao narrar a vida de Chiron, um garoto filho de mãe solteira e morador da periferia de Miami que, diariamente perseguido por colegas de escola sem pudores para chamá-lo de "boiola", encontra no traficante Juan (Mahershala Ali) a figura paterna até então ausente da sua vida, assim como aquele a lhe dar os conselhos essenciais para sua caminhada. Em casa, Chiron (ou "Little", como lhe chamam até aí) tem uma relação agridoce com sua mãe, Paula (Naomie Harris), que do aparente semblante responsável visto na primeira cena (trajando vestes de enfermeira), faz o garoto ver homens entrando dentro do próprio lar da mesma forma que vê aparelhos domésticos sumindo dos cômodos em virtude da dependência química. Uma relação que vem a se deteriorar na adolescência de Chiron, assim como os vários e persistentes insultos homofóbicos no colégio.


Das pequenas descobertas que Chiron realiza, seja pela sua construção de visão de mundo, pelo prazer do sexo, pelo sabor de um vinho ou por ouvir novamente as vozes daqueles que sempre estimou, Moonlight segue sua narrativa com cenas que prezam pela simplicidade de sua montagem, deixando a câmera de James Laxton (Marcados Pela Guerra) nos guiar com movimentos leves e rodeando os personagens, tal como na cena de abertura onde somos apresentados aos contextos que circundam a população (sobretudo negra) de periferia dos Estados Unidos: no meio de uma negociação discreta, sirenes de polícia são ouvidas enquanto se vê, ao fundo, um possível meliante em fuga e tão logo vemos a perseguição das crianças já descrita anteriormente. Um ótimo trabalho de fotografia que se reflete também na escolha de cores de luzes significativas para seus capítulos: se a luz rosada emitida do quarto de Paula sugere um ambiente de luxúria, a residência de Juan e Teresa (Janelle Monáe, bem melhor do que em Estrelas Além do Tempo) é iluminada de forma a transmitir um conforto familiar do qual o protagonista dificilmente conheceu, enquanto todo o perturbador espaço colegial é marcado por uma iluminação fria intensa. Em contraste, os locais por onde o Chiron adulto (Trevante Rhodes) passa se encontram majoritariamente banhados com uma temperatura de luz quente, reafirmando o sentimento das falas e imagens presentes nas cenas em questão.

Condecorado em todas as premiações em que foi indicado, Mahershala Ali demonstra sua louvável evolução como ator fruto de seus igualmente admiráveis trabalhos nas séries House Of Cards e Luke Cage, rompendo aqui com os estereótipos pelos quais seu personagem seria associado de praxe, mas o cubano Juan surpreende por ser afável com aqueles com quem se preocupa e, para o ponto de vista de um garoto, isso é mais do que suficiente. De fato, uma atuação magnética e que sustenta o filme, e cada fala sua merece ser ouvida com atenção, juntamente com a formidável performance de Naomie Harris na decadência de sua personagem e até mesmo o bom trabalho dos meninos que fazem Chiron e seu amigo Kevin – no caso destes, a escalação pelo tipo físico dos atores também possui sua importância figurativa.


Repleto de rimas visuais e sonoras que vem e vão conectando cada capítulo, o longa é uma obra sensível que não tarda a gerar empatia, a ponto de nos fazer vibrar quando o protagonista trata de revidar contra seus bullies, além de colocá-lo em autoconhecimento em situações mundanas com uma naturalidade que põem tabus abaixo. Mais ainda, o que se vê em Moonlight é uma resignação dos caminhos da vida, onde se aceita as poucas escolhas que são fornecidas a um morador de periferia sem se associar a vitimismos, como os pretensos cineastas de festivais brasileiros têm (mal) feito. Embora o racismo, a homofobia e até a dependência química sejam pautas urgentes, aqui a maior prioridade é falar sobre o indivíduo e aqueles que tanto o influenciaram ao longo dos anos. 

Fazendo muito com pouco, há aqui quem encontre a felicidade num emprego qualquer ou ao tocar um ente querido ou as ondas do oceano, ou na audição do simples e sereno marulho deste, reencontrando suas melhores lembranças e, assim, somando outras na constante formação do próprio eu.




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