sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Estilhaços | CRÍTICA (10º Olhar de Cinema)


Filmes consistidos de imagens de arquivos podem ser estranhos a quem busca ter uma experiência visual atrativa, mas é inegável o poder que aquelas gravações de um passado "eternizado" podem trazer ao longo do tempo. No caso de Estilhaços (Esquirlas, no original), ótimo longa de estreia da cineasta Natalia Garayalde, há muito mais do que uma compilação de vídeos familiares evidenciando o estilo de vida argentino da década de 1990, mas a exposição de um terrível crime acobertado por forças maiores.


Roteirizando e narrando sua própria história, Natalia evidencia o seu contato com a câmera que, de certa forma, também se faz personagem neste conto verídico. Uma das primeiras imagens, inclusive, se dá como um nascimento da relação do equipamento: uma gravação qualquer na loja onde o pai de Natalia comprou a Sony 8mm que virá a ser tão importante para a família. Daí, a então garota registra diversos momentos em casa e arredores, principalmente os momentos de diversão das irmãs mais velhas (grudadas na TV vendo clipes) e as brincadeiras com o irmão, Nicolas. O ano de 1994 lhe parecia emblemático tamanhas lembranças salvas em vídeo, mas nada comparado ao que iria acontecer na cidade de Rio Tercero, em Córdoba, no ano seguinte.

Explosão de projetéis devastou a cidade. (© Esquirlas - Página no Facebook/Reprodução)


Estabelecendo um raccord muito intuitivo ao conectar o foguetório de celebração do ano novo com as imagens distópicas que vem a seguir expondo dezenas de pessoas correndo entre cachorros perdidos e um trânsito insano, Natalia relata o desastre da explosão de uma fábrica de armamentos militares próxima a vizinhança. Da catástrofe, diversos prejuízos além dos materiais com as casas e carros bombardeados. O cenário desolado é um misto de lamento, conspirações, mas há quem estime por esperança, vide o sentimento refletido nas imagens do coral numa cerimônia de formatura com evidentes rostos em prantos. Resgatando também materiais jornalísticos, vê-se os habitantes de Rio Tercero demandando justiça e até o alvoroço diante do ex-presidente Menem em sua explicação (diz-se) oficial do ocorrido.

De sua narrativa sucinta que estabelece ligações até com a Guerra dos Balcãs, Garayalde é certeira ao retomar o foco na família que sempre foi o seu norte aqui, passível de comparações com as obras de Petra Costa (Elena, Democracia em Vertigem). Das iminentes perdas que a vida nos traz, das absolvições indefensáveis, Estilhaços cresce ao sugerir uma pertinente reflexão sobre o quão importante podem nos ser gravar mais do que alguns minutos de vídeos de alguém que gostaríamos de conviver muito mais.




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