quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Adoráveis Mulheres | CRÍTICA


É fascinante acompanhar a carreira de um(a) artista e ver o quanto amadureceu e melhorou no decorrer dos anos ou, mais precisamente, a cada nova obra lançada. Greta Gerwig, cineasta talentosa e de mão cheia por se dividir entre a roteirização e a atuação, fizera uma boa estreia na direção com Lady Bird retratando um passado recente quase que autoral com carinho, ainda que sua indulgência perante o comportamento da protagonista tenha desagradado o público impaciente com a geração millennial. Adoráveis Mulheres, seu segundo grande passo, só tende a comprovar quão belo é o tato da diretora com histórias sobre jovens sonhadoras e sempre querendo estar à frente do seu tempo.

Roteirizado a partir do livro homônimo escrito por Louisa May Alcott, que já ganhara algumas adaptações cinematográficas no passado (entre elas, uma de 1994 com um elenco notório e, outra de 1933, sob a assinatura de George Cuckor estrelando Katharine Hepburn e Joan Bennett), a trama remonta aos tempos distantes da Guerra Civil Americana na metade do século XIX, mas, em meio ao clima de segregação e consequentes dificuldades, as irmãs Jo (Saoirse Ronan), Meg (Emma Watson), Amy (Florence Pugh, Midsommar) e Beth (Eliza Scanlen, minissérie Sharp Objects) crescem e persistem sob os cuidados da mãe (Laura Dern) e ainda da ricaça tia March (Meryl Streep). Encontrando nas artes suas devidas vocações, as garotas sonham com os palcos, ora romanceando ora interpretando, em rumar para a Europa a fim de angariar inspiração que só o "Velho Mundo" poderia prover ou apenas trajar um belo vestido ou poder tocar num bom piano. Até realizarem esses sonhos, as "pequenas mulheres" terão muito de aprender sobre a vida e, mais ainda, lidar com todos os dilemas do amor.

(© Sony Pictures/Divulgação)

O que parecia um filme de época com jeitão automático similar a um conto de Jane Austen cheio de pompas, então, acontece que Pequenas Mulheres cresce e ganha cara própria com uma história contada por fragmentos concentrados principalmente nas trajetórias de Jo (que abre a narrativa) e Amy, que se destaca por ser a personagem talvez mais conflituosa entre as irmãs March – ótimo para a narrativa. Se Saoirse Ronan novamente se faz um alter ego de Greta Gerwig para representar seu estilo urbano ousado e independente para uma época em que mulheres artistas "precisavam" ficar no anonimato, as demais atrizes jamais comprometem a história, ainda que espectadores assíduos pelo trabalho de Emma Watson podem ficar querendo mais apesar da conivente mensagem que a atriz passa com o seu papel.

(© Sony Pictures/Divulgação)

O elenco de apoio também é formidável e não se cansa de apresentar rostos conhecidos e talentosos. Se Meryl Streep nunca nos cansa sendo tão distinta mesmo com tão pouco, e que Laura Dern seja inesgotável em seu carisma e pontual numa crítica política que transcende décadas, vemos atores como Louis Garrel Timothée Chalamet portando-se mais do que meros pares românticos para as garotas, mas sujeitos que também querem se desvencilhar dos padrões que lhes são impostos. Ver Chris Cooper, Tracy Letts e o sempre ótimo Bob Odenkirk também só tende a melhorar a experiência do filme, cujos desdobramentos dificilmente se fazem previsíveis.

(© Sony Pictures/Divulgação)

Daí o acerto de Gerwig em investir na montagem que, dividida entre flashbacks em passagens ocorridas no tempo da guerra e sete anos depois, todavia o recurso possa ser cansativo a considerar os tantos arcos narrativos, as crescentes juras amorosas e a trilha afetada de Alexandre Desplat (A Forma Da Água). Enquanto os ilustres figurinos assinados por Jacqueline Durran (1917, Anna Karenina) complementam personalidades, a diretora aplica ocasionais planos gerais para mostrar o cotidiano família March com uma iluminação de temperatura de cor mais quente, reiterando o sentimento de união no lar mesmo com o país em conflito, agregando um interessante contraste com outros longas que compartilharam a temática, vide O Estranho Que Nós Amamos e Lincoln, que preferiram investir em fotografias de estilo mais barroco. Por outro lado, notem como Gerwig compõe as cenas do "presente" posicionando as irmãs quase sempre sozinhas nos espaços sob uma paleta de cores próximas à melancolia do azul que nem sempre reitera os invernos nos quais a trama se passa – não por menos, até mesmo nos frios Natais passados o sentimento era de alegria e conforto.

(© Sony Pictures/Divulgação)

Resgatando, de certa forma, uma condução bastante otimista que remete até o utopismo que Frank Capra buscava retratar em sua filmografia pós-guerra e longe de querer vilanizar os homens pelo que são (pelo que alguns pensam e fazem, talvez), Adoráveis Mulheres (Little Women, no original) é belo por ser tão singelo e cativante em sua humanidade retratada que, por vezes falha, sagaz ou penitente, busca na ficção uma forma de reescrever a própria história não só em busca da almejada visibilidade, como ecoando tempos astutos para ser artista.



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