domingo, 26 de janeiro de 2020

Judy - Muito Além do Arco-Íris | CRÍTICA


Imortalizada em juventude e tornada um ícone para toda uma geração a partir de toda a sua candura projetada em O Mágico de Oz, Judy Garland se tornou uma estrela de Hollywood tal como muitas atrizes do seu tempo: com uma ascensão tão rápida quanto o seu inesperado declínio e quase sempre não tendo voz para impor suas escolhas até mesmo pessoais numa indústria que tanto almejava uma perfeição estética. Anos próximos do que viria a ser o centenário de vida da atriz, o recorte cinebiográfico que Judy - Muito Além do Arco-Íris pretende fazer, todavia muito decadente, é também um burocrático alerta para os excessos de uma carreira para qualquer artista.

Nome que provavelmente veio à tona mediante o interesse do público pelas versões anteriores de Nasce Uma Estrela (bem como pelas atrizes que as protagonizaram), Judy Garland ganha aqui uma biopic típica de produções que emergem às vésperas da temporada de ouro de Hollywood a fim de conquistar estatuetas para seus artistas com sistemáticos roteiros inspirados por histórias de prestigiados e/ou conturbadas figuras populares do passado, sendo os quesitos técnicos e artísticos tão aborrecíveis que o árduo processo de interpretação do ator fica até super exposto com seus trejeitos de sobra. Renée Zellweger (Chicago), neste caso, carrega nas costas todo um filme que carece de uma direção inventiva com uma narrativa que, como já era de esperar de um Oscar-bait, não vê outra forma de se destacar senão pelo esforço físico de sua atriz principal, sendo irritante notar que o diretor britânico Rupert Goold enquadra mais de uma vez as escápulas sobressaltadas das costas da atriz dos filmes Bridget Jones como uma insistência para que o espectador realmente concorde com tamanha árdua performance.

(© David Hindley - Pathé Films/Reprodução)

Situado no inverno que assola os Estados Unidos e a Inglaterra em 1968, mas sem o mesmo olhar demorado, porém jocoso, que Tarantino tão bem dedicou em Era Uma Vez Em... Hollywood, Judy vem a mostrar que o tempo foi cruel para a eterna Dorothy e suas andanças em maus percalços. Aos 46 anos, somando casamentos fracassados e aceitando qualquer merreca para se apresentar seus números musicais em pequenas casas de shows, a ponto de levar os dois filhos pequenos como assistentes, Judy Garland sequer tem aonde dormir até que uma oportunidade, enfim, lhe é proposta: cantar seus sucessos no prestigiado palco do The Talk Of The Town, em Londres, cidade que ainda nutre uma devoção pela estrela. Nos bastidores, entretanto, os velhos hábitos persistem.

Carente de poucos rostos conhecidos para interagir com a protagonista senão Michael Gambon (o Prof. Dumbledore dos filmes Harry Potter), a jovem Bella Ramsey (a Lyanna Mormont de Game Of Thrones) e o talvez-galã Finn Witrock (La La Land, A Grande Aposta), paira uma certa estranheza na direção de Goold. Caprichos à parte do design de produção e do figurino na reconstituição da época, o diretor conduz o texto a aborrecíveis passos lentos, mas tentado a apostar em outras linguagens. Na sequência inicial onde coloca uma Judy menina conversando com um corpulento Louis B. Mayer no set de O Mágico de Oz, há uma interessante quebra da quarta parede que jamais se repete (a menos que eu não tenha percebido outra ocasião), além de um plano-sequência que reitera o talento da atriz para a música e dança no palco londrino. Goold também exagera nos closes na sua intenção de mostrar as tantas vezes que Zellweger franzindo os lábios como parecia ser um hábito de Garland.

(© David Hindley - Pathé Films/Reprodução)

Com roteiro escrito a partir da peça teatral "End Of The Rainbow", Judy poderia ser um título promissor e reverberante a julgar por tantas mazelas destacadas (anorexia, abusos, consumo desenfreado de drogas lícitas) logo quando que movimentos atuais como o "Me Too" não permitiriam os abusos que foram negados a uma adolescente que tanto queria mordiscar um hambúrguer ou um bolo do próprio aniversário lá nos anos de 1940. Ainda assim, o filme faz pouco jus à memória da artista. Faltou mesmo uma direção madura e audaciosa que, além do motivo óbvio de contar uma boa história, fizesse desta obra um punitivo dedo em riste para uma da indústria do entretenimento que ainda premia trabalhos inspirados no sofrimento alheio causado indiretamente pela mesma (velha) Hollywood.



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