terça-feira, 8 de agosto de 2017

O Estranho Que Nós Amamos | CRÍTICA


Não tardou para que Sofia Coppola demonstrasse ser uma exímia cineasta ao receber, em 2004, o Oscar de Melhor Roteiro Original por seu segundo longa-metragem, Encontros e Desencontros e, na sequência de três anos, seu Maria Antonieta faturasse a estatueta dourada por Melhor Figurino. Enquanto prova de talento natural a julgar por seu sobrenome, a diretora firmou uma assinatura própria ao esbanjar uma estética contemporânea e contatando o público jovem que passou a segui-la com veemência mesmo com seus filmes menores à moda indie. Assim, ao fazer sua adaptação de O Estranho Que Nós Amamos, Coppola retorna às produções de época deixando suas subversões características de lado em prol de uma direção formalista tal como a de seu patriarca.

Inspirada no romance homônimo de Thomas Cullinan e que rendeu uma adaptação polêmica com Clint Eastwood dirigido por Don Siegel, a trama de The Beguiled (no original) se passa na Louisiana de 1864 ou, mais precisamente, três anos após o início da Guerra Civil Americana onde os estrondos distantes das batalhas são acordes graves para a melodia dos pássaros nas árvores que permeiam o internato da Sra. Martha (Nicole Kidman), um casarão onde, além da proprietária, mora a professora de francês Edwina (Kirsten Dunst), e as garotas Alicia (Elle Fanning), Jane (Angourie Rice), Amy (Oona Laurence), Emily (Emma Howard) e Marie (Addison Riecke) se dividem entre as aulas, a música, os bons constumes, os afazeres domésticos e a penitência cristã tão vigente na época. Logo, quando uma das garotas encontra o cabo ianque McBurney (Colin Farrell) ferido no bosque e o leva internato adentro, não poderia haver conflito maior para esse recinto exclusivamente feminino que, além da presença de um homem que se revela gentil e nada reticente na troca de olhares e toques sedutores, é um inimigo dos Confederados locais acima de tudo. Das promessas da Sra. Martha de se livrar do sujeito a cada dia, contrastando com o maior espaço que ele ganha na casa, cresce a tensão sexual entre algumas moças, divididas entre o desejo carnal e a insanidade de abrigar (e até defender) um combatente considerado inimigo.


Optando por uma narrativa enxuta focando em suas personagens femininas, algo que, por outro lado, ocasiona numa divisão irregular dos pontos de vista da Sra. Martha, Edwina, Alicia e Amy, Sofia Coppola estabelece uma mise-en-scène de enquadramentos elegantes e favoráveis ao seu elenco e às exuberantes locações reais em cenas filmadas em película no aspect ratio 1:66:1 que, além de atribuir uma imagem mais datada, seu formato mais estreito vem a calhar quando a história flerta com o terror psicológico. Destaque também para a iluminação barroca de predominantes pontos de luz naturais ou práticas arranjada pelo diretor de fotografia Philippe Le Sourd e do cuidadoso design de produção de Anne Ross que faz uma reconstituição correta da época.


Apesar da motivação da diretora no seguimento de uma abordagem escrupulosa que se esquiva do teor questionável do filme de 1971 e de subtramas que, supostamente, viriam a retardar o andamento da narrativa, o longa parece mais arrastado do que aparenta sua relativa curta duração. Não que seus breves momentos de bom humor ou seu tratamento asséptico prejudiquem o título, mas falta a O Estranho Que Nós Amamos um elemento devidamente marcante além de seu notório capricho técnico-artístico. Tendo em mente que a maior parte da filmografia de Sofia Coppola se resume ao retrato de duplas ou coletivos de personagens de condutas transgressoras, notar que a diretora preferiu podar a importação da liberdade feminina atual em prol da verossimilhança dos costumes da época não só é estranho, mas como parece uma atitude conservadora tal como o pensamento vigente típico dos antigos estados confederados.



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