sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

EMILIA PÉREZ – não é todo o diabo que pintaram, mas… | CRÍTICA

Karla Sofía Gascón e Zoe Saldaña em EMILIA PÉREZ

 

Como pode Emilia Pérez ser um filme tão premiado em sua jornada iniciada no Festival de Cannes ao mesmo tempo em que se tornou alvo de ojeriza (desde já, muito que justificada, em partes) da comunidade cinéfila, ainda mais com suas 13 indicações ao Oscar? Candidato francês para o Oscar de Melhor Filme Internacional, porém falado em espanhol e "situado" no México, o longa assinado por Jacques Audiard (mais conhecido por Ferrugem e Osso) revela ter uma boa disposição em querer se desvencilhar das mesmices dramáticas que sua história poderia ser conduzida, mas sua gana por virtuose é tanta que acaba se esquecendo de ter maior sensibilidade com os temas que decide abordar.


Seria muito fácil dizer que o filme é uma bomba, que é ruim ou qualquer adjetivo depreciativo porque, sim, de fato, há coisas intragáveis ao longo da narrativa, que percorre essa estranha epopeia de uma advogada (Zoe Saldaña) que encontra no pedido inusitado de um traficante a chance de progredir na carreira enquanto outros se vangloriam em cima de seus esforços; em paralelo, a saga de uma nova mulher (Karla Sofía Gascón) que quer virar a página e passar a praticar o bem, omitindo seu passado no narcotráfico. A jornada, em seu cerne, é interessante, mas há um descomprometimento progressivo com as pautas que vem a abordar que é simplesmente inacreditável.


Selena Gomez em EMILIA PÉREZ
(© Page 114, Why Not Productions, Pathé Films, France 2 Cinéma/Reprodução)


Tem Selena Gomez arranhando espanhol e exagerando no melodrama, tem Edgar Ramirez surgindo lá pela metade para cumprir mais uma cota de galã feio, tem as músicas de sonoridade mais estranha que botar Björk ou Grimes para alguém que desconhece o gênero musical destas. Produzida por Clemént Ducol e Camille (sim, aquela que canta "Le Festin", de Ratatouille!), as canções que embalam este musical tem uma melodias e timbres curiosos até que válidos na pretensão de trazer algo distinto aos ouvidos, mas as letras, por vezes, beiram ao brega, ao desconforto, a uma falta de decoro. "La Vaginoplastia" faz do processo da transição sexual parecer número musical de um filme besteirol da turma do Todo Mundo em Pânico.


Zoe Saldaña em EMILIA PÉREZ
(© Page 114, Why Not Productions, Pathé Films, France 2 Cinéma/Reprodução)


Ainda que Gascón revele ser carismática enquanto Zoe Saldaña é a nossa bússola moral, a tratativa dada ao tema de pessoas desaparecidas pelo narcotráfico é uma antítese do que Ainda Estou Aqui, por exemplo, toma o cuidado ao lidar com o assunto. Se Emilia Pérez parece ter uma compaixão inicial nessas cenas, é para culminar tal sequência apenas em um épico escandaloso para conduzir a um romance brusco e, disso, para um filme de bandidos com desfecho bem novelesco. 


Karla Sofía Gascón em EMILIA PÉREZ
(© Page 114, Why Not Productions, Pathé Films, France 2 Cinéma/Reprodução)


Audiard, ao longo de toda a projeção de Emilia Pérez, parece testar o que mais lhe interessa com uma boa fotografia e marcações que alimentam a intriga em cena, todavia abusando de maneirismos típicos de videomakers (que mais levam o ofício como estilo de vida) a julgar pelos efeitos e movimentações rebuscadas (a cena do telefone...) e títulos estilosos com modo de mesclagem, o diretor ainda é criativo ao solucionar cenas na Suíça em nevasca ou no deserto mexicano com efeitos práticos. Não é todo o diabo que pintaram, mas o sumo da narrativa é de uma totalidade sintética em busca de suas láureas justamente por parecer tão descoladão… quando nada mais é do que sem noção.  



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