Há algo de fascinante nas cinebiografias dirigidas por Pablo Larraín, diretor por trás de títulos biográficos como Spencer e Jackie (isso sem se esquecer da bomba recente O Conde). Tudo é filmado com elegância, com uma condução que esbanja sobriedade em seu retrato de passados melancólicos, deixando o espectador cada vez mais hipnotizado em querer descobrir sobre aquelas pessoas de aparências tão glamurosas, porém, como vem a se descobrir, escondem almas melancólicas. Encerrando, então, esta trilogia informal de grandes mulheres do Século XX, é com Maria Callas que Larraín se prova um enxadrista ao utilizar o melhor da linguagem cinematográfica para recontar uma história de vida memorável ainda que se entregue pouco emocionante.
O ditado não falha: quem vê cara, não vê coração. O início de Maria (título original) se faz uma montagem de grandes momentos da diva da ópera, alçando a cantora no mesmo nível das figuras épicas retratadas nas árias dos concertos lotados, glorificada pelos flashes das câmeras de fotógrafos nas ruas. Sua vida pessoal, entretanto, é tomada como uma ruína. Solitária, hipocondríaca e saudosista pelo conforto do estrelato, a Maria Callas representada por Angelina Jolie segue por dias tristes em sua luta por retornar aos palcos apesar de sua voz já não ter a mesma potência de outrora. O marasmo incomoda Maria – a posição do piano na sala nunca está ao seu agrado, para a infelicidade da coluna de seu mordomo (Pierfrancesco Favino) e da governanta (Alba Rohrwacher), que se preocupam veemente com a condição de saúde da cantora, progressivamente perdida em devaneios.
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(© Diamond Films/Divulgação) |
Devaneios esses que permitem Larraín de explorar a metalinguagem e, assim, criar um filme dentro de um filme, como se Callas contratasse uma equipe de filmagem ao passo em que diz escrever sua própria biografia. O diretor contratado (Kodi Smit-McPhee) é provocativo, quer investigar o passado da diva por caminhos que lhes serão tortuosos – e essa é a deixa para que o diretor, o roteirista Steven Knight (Spencer, Peaky Blinders) nos conduzam por lembranças que, todavia tristes em partes, se tornam magistrais pelas lentes e cores do diretor de fotografia Ed Lachman (O Conde, Carol) que, de fato, faz um retrato de época tão verossímil que, no fim das contas, parece até um documentário.
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(© Diamond Films/Divulgação) |
Neste conto alinear que sempre vai despertando a curiosidade pela protagonista – a ponto de mal esperar terminar a sessão e pesquisar mais detalhes sobre a vida da mesma (curiosamente, senti o mesmo quando vi Jackie e até mesmo Spencer) –, logicamente, o peso recai sobre a atuação de Angelina Jolie, que surpreende pelo fato de ter aprendido a cantar ópera especialmente para o papel e entrega performances vocais surpreendentes, fato que deve ter lhe favorecido no prêmio de Melhor Atriz no Festival de Veneza, muito porque sua contraparte dramática, talvez oscilada pela não-linearidade da montagem, culmina mais em uma sucessão de planos de face lânguida e outras poses sofridas como a Isabela Boscov ficou famosa por reclamar em suas considerações.
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(© Diamond Films/Divulgação) |
Filme chique e bonito de contemplar bem característico das salas de cinema VIP e do circuito alternativo, além de se conectar indiretamente com a trama de Jackie, Maria Callas se faz um convite para adentrar em uma sala e admirar uma preciosidade de uma antiguidade recente e que gerações recentes possivelmente desdenharão seu interesse a respeito, mas, apesar de uma personalidade retratada em quase desmoronamento feito as tantas estátuas gregas presenteadas pelo magnata Aristóteles Onassi acumuladas no apartamento de Callas, vale toda a apreciação.
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