segunda-feira, 20 de maio de 2019

Game Of Thrones (8ª Temporada) | CRÍTICA


Mais do que qualquer coisa material, as pessoas precisam de histórias. Sob um sucinto retrospecto, ao longo de suas oito temporadas, Game Of Thrones foi se tornando um fenômeno televisivo (e literário, com embargo) ao proporcionar ao seu público crescente uma revisão dos fantásticos contos medievais repleta de crueldade, escárnio, libertinagem, magia, política, religião e, ainda, uma réstia de esperança como toda boa lenda precisa ter – afinal, com tantos personagens importantes caindo violentamente nesse jogo, o desafeto pelos mesmos era tão logo substituído por uma simpatia pelo ponto de vista daquela ou outra personagem que fomos, até aí, inclinados a odiar.

As temporadas avançaram e George R.R. Martin regrediu na escrita dos tomos finais de "As Crônicas de Gelo e Fogo", deixando os roteiristas criadores e executivos David Benioff & D.B. Weiss livres para finalizar o espetáculo que tinham em mãos e, para um ou outro vacilo que passava a ser uma constante, a HBO tratava de compensar com um investimento expresso nas sequências de ação verdadeiramente épicas que embalaram o sexto e sétimo ano da série, todavia à risca de escusas temporais e narrativas que se inclinavam para uma iminente descaracterização de um ou outro personagem e uma ameaça sobrenatural detentora de uma motivação patética demais para seu poderio, tão exagerado quanto.

(© HBO/Divulgação)

Carregando todo esse fardo somado à responsabilidade de entregar, sem precedentes, um desfecho satisfatório àqueles que acompanharam o programa por quase uma década, eis que o ano final de Game Of Thrones é prejudicado injustamente pela sua mania de grandeza, enrolando-se em episódios de oitenta minutos entre firulas flamejantes e sanguinolentas, diálogos pífios e (talvez o seu demérito mais ardiloso) a desconstrução maniqueísta das jornadas daqueles que entendíamos como os reais protagonistas.

(© HBO/Divulgação)

Antes de outros detalhes, é preciso reforçar que nem tudo estava tão ruim assim nos Sete Reinos. A começar por uma repaginada empolgante na vinheta de abertura (que já prenunciava onde tudo aquilo meio que iria acabar), os figurinos de texturas e adereços sempre estonteantes traçados por Michele Clapton (dane-se a lógica para saber como tal personagem iria conseguir tecido para uma roupa tão elegante em meio a várias crises…), a trilha sublime de Ramin Djawadi e a intuitiva direção de fotografia dividida entre David Franco, Jonathan Freeman e Fabian Wagner (Liga da Justiça), embora há quem tenha sofrido para enxergar algo nas tantas cenas lúgubres do terceiro episódio, "The Long Night". Certamente, Game Of Thrones já está no rol das séries que mudaram o jeito de ver e fazer narrativas na televisão – e isso também vai implicar na qualidade de transmissão do canal daqui para a frente.

(© HBO/Divulgação)

Há também o que contemplar nas direções de David Nutter e Miguel Sapochnik. Cineastas que ganharam o apreço da produção por entregarem os episódios mais empolgantes das duas últimas seasons, é visível o esforço dos diretores na elaboração de cenas com o mesmo apelo emblemático que a série também foi ganhando reverência logo quando tudo era mais resolvido na base do diálogo ou por execuções sob o fio das lâminas de aço valiriano. Assim, com a duração estendida e um roteiro nitidamente claudicante que permitia uma criativa transposição para a tela, Game Of Thrones se tornou palco de batalhas épicas que valeram as suas 55 noites de produção para o terceiro episódio com planos fascinantes rodados entre fumaça, fogo e uma tonelada de efeitos e figurantes; nos capítulos seguintes, a argumentação de uma montagem de conflito colava detalhes humanos justapostos com a supremacia de uma rainha sobre um dragão apontava, todavia por guinadas súbitas demais, que aquela proclamada Quebradora de Correntes também estava propensa à tirania.

(© HBO/Divulgação)

Com isso, chega a ser redundante atestar que todas as ressalvas vão e voltam para os roteiros. Se a sétima temporada se apertou com o tanto que tinha a contar em meio a elipses inverossímeis, o oitavo ano acarretou num marasmo circundando os núcleos principais cujos conflitos, que antes rendiam tanto, passaram a ser resolvidos com descaso. Aquela que odiamos amar, Cersei (Lena Headey) renderia muito mais com o seu envolvimento dúbio com Euron Greyjoy (Pilou Asbæk), mas a zona de conforto em colocá-la como uma governante apenas déspota, mas vacilante toda a vez em que avistava Jaime (Nikolaj Coster-Waldau) comprometia até o desenvolvimento deste em sua revisão sobre toda a guerra e sua relação com Brienne, rendendo um momento de cortar o coração que comprova porque Gwendoline Christie não deve ser subestimada como atriz. É notável que Emilia Clarke parece tão perdida quanto pesarosa nas motivações de Daenerys tanto quanto seus súditos tidos agora como conspiradores e uma estrategista que esquece dos planos passados em uma cena anterior para agir impulsivamente.

(© HBO/Divulgação)

Talvez prejudicada pelas altas expectativas de um festim de fãs que acreditaram tão veemente em teorias levantadas por youtubers ao longo dos anos e que vieram a se frustrar por não verem acontecerem de fato, Game Of Thrones chega a um final (muito que aberto) e diferente daquilo que nos foi mostrado lá em 2011 – por bem e por mal. De uma narrativa que sempre salientou sobre o impacto da iminência da morte sobre o amor e vice-versa, além de sua então reverente revisão de estereótipos narrativos, o programa se encerra até que ciclicamente ao pontuar sobre quem essas crônicas se tratavam, mas é decepcionante ver e ouvir Kit Harington fazendo um Jon balbuciante e isento de opiniões logo quando estava sumariamente à frente de todos os últimos confrontos. Para quem já estava reticente com as andanças de Benioff & Weiss sem sua matéria-prima (não vamos nos esquecer do garrancho que se tornou o núcleo de Dorne), otimismo talvez era uma esperança para tolos aqui…

(© HBO/Divulgação)

Ainda assim, mesmo com seu desfecho agridoce – e com vacilos absurdos de continuidade que não pararam naquele copo de chá –, Game Of Thrones vai fazer falta para quem adorava ver Peter Dinklage despontar toda vez como Tyrion (seu monólogo no episódio final é tão bom quanto aqueles que vimos o "Duende" recitar antes), atestar Sophie Turner crescer como atriz enquanto Sansa recebe o que lhe é de direito e que Maisie Williams nunca nos desapontou com a independente e habilidosa Arya, o Trono já não mais importa quando o que há ao Oeste de Westeros e Além da Muralha parecem aventuras formidáveis a embarcar e acompanhar no futuro. Só se espera, porém, que seus próximos realizadores tenham um pouco mais de cautela para saber o que seu autor original ainda tem a oferecer. 



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