sábado, 17 de agosto de 2019

Era Uma Vez Em… Hollywood | CRÍTICA


O tempo costuma ser cruel com as estrelas, especialmente aquelas que movimentam a tal "indústria dos sonhos". Uma vez que alguns poucos costumam despontar com suas técnicas de atuação ou de fazer filmes tão extravagantes que o reconhecimento chega mais cedo do que para outros tantos que há anos labutam nos bastidores, por outro lado, estas celebridades hollywoodianas acabam correndo o risco de perderem o brilho dos holofotes quase na mesma velocidade e por razões que nem sempre convergem para a velhice ou, pior, para escândalos pessoais – numa área onde a demanda por novidade ainda é tremenda, artistas repetitivos logo são ofuscados por outros que produtores e público entendem como mais atrativos.

Era Uma Vez Em… Hollywood, de certa forma, seria sobre este "crepúsculo dos deuses" que também parece acometer o próprio Quentin Tarantino que, embora tenha explodido há mais de vinte e cinco anos com as narrativas extravagantes e alineares de Cães de Aluguel e Pulp Fiction, daí acumulando indicações e estatuetas ao longo de sua filmografia, nunca escondeu o seu anseio em encerrar sua carreira cinematográfica chegando à marca de dez longas-metragens realizados – afinal, nesse meio artístico, é "melhor" sair por cima do que se sujeitar à decadência de projetos repletos de cacoetes que já foram sua marca de sucesso.

(© Sony Pictures/Divulgação)

Entretanto, não foi desta vez que Tarantino vacilou com mais uma obra toda inflada de suas preferências culturais nostálgicas. Aqui, o cineasta que era tão dedicado em replicar enquadramentos de filmes de seus ídolos (a maioria deles, diretores dos tempos do western spaghetti) no passado, demonstra um amadurecimento cênico concentrado, um olhar verdadeiramente demorado (o que não quer dizer que seja entediado) enquanto seus personagens passam de carro pelas largas ruas de L.A. focando nas fachadas icônicas de cinemas pelo trajeto ou até mesmo rumo aos estúdios de filmagens.

Para Quentin, as pessoas em Hollywood vivem para e pelo cinema, incorporam os nomes de suas personagens, adquirem imóveis confortáveis no auge da fama, confessam seus desejos apaixonantes por atrizes, camuflam-se entre o público na ânsia pelas reações do mesmo diante de um filme em que não os protagonistas e, no montante disso tudo, há quem sobreviva às margens e aos restos desse estilo de vida tão ostensivo e almejado muitas vezes sem pestanejar. Pertencer e se manter nesse universo é o que, certamente, rege todos aqueles seres.


Situar a trama em 1969 também tem sua importância histórica além do assassinato de Sharon Tate e amigos na noite de 9 de agosto pela família Manson. Não só por ter sido o mesmo ano em que Neil Armstrong viajou para a Lua, que o rock n' roll ascendia cada vez mais e que o movimento hippie promulgava paz e amor com muita lisergia, mas por se tratar de um período tão transitório para Hollywood. Por coincidência, o indie Sem Destino e outros filmes de baixo-orçamento conquistavam o interesse do público jovem com suas narrativas tão antenadas na contracultura ao passo em que as majors enfrentavam as crises decorrentes de seus custosos e fracassados épicos do início da década enquanto a audiência se acomodava em frente aos pequenos televisores e, naquela época, uma das piores coisas que poderia acontecer a um ator seria ver a própria carreira afunilada em pequenos papéis na TV ou, mais especificamente, vilões ocasionalmente mambembes de seriados policiais e de faroeste.

Astro de ação em ascensão no final da década de 50 e que consolidou uma carreira tímida no cinema logo depois, Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) se recusa a aceitar o seu declínio por mais que esteja cumprindo exatamente a rotina do tipo descrito acima, somado ao fato que esquece algumas falas tamanho nervosismo e se veja intimidado pelos galãs mais jovens que estão assumindo os papéis principais. Dalton, porém, conta com o apoio inestimável de seu dublê e melhor amigo, Cliff Booth (Brad Pitt), e até mesmo de figurões da área, como o produtor Marvin Schwarz (Al Pacino), que quer ver o ator em atividade e sugere rumar para a Europa e estrelar alguns "bangue-bangues à italiana". Orgulhoso, Dalton recusa a oferta, ainda mais quando está interessado na possibilidade de, um dia, rodar um filme com seus mais novos vizinhos de Cielo Drive, o já respeitado Roman Polanski (Rafal Zawierucha) e sua esposa, a graciosa Sharon Tate, que ganha uma carismática interpretação de Margot Robbie (Eu, Tonya).

(© Sony Pictures/GIPHY/Reprodução)

Se o Tarantino roteirista busca no passado as suas coordenadas geográficas, temporais e culturais, a sua contraparte de diretor não poderia deixar de recorrer à elegância dos movimentos de câmera da Era de Ouro hollywoodiana sem parecer obsoleta ou precária. Entre movimentos magistrais de gruas que saem da piscina de uma casa para conferir o que acontece na vizinhança ou atrás de um cine drive-in, dos travellings pela cidade e de sua decupagem sempre precisa bem iluminada e quente pelo experiente diretor de fotografia Robert Richardson, aqui, Tarantino permite-se demorar em planos longos que vem a explorar toda a performance de seu time de atores dos sonhos, rendendo aí uma tremenda performance de DiCaprio com um texto e interações inspiradas enquanto o cineasta não desperdiça a oportunidade de filmar mais um western e flashbacks jocosos.

(© Sony Pictures/Divulgação)

Brad Pitt, que tanto nos deixou ansiosos por uma nova parceria com o diretor desde Bastardos Inglórios, também é dono de momentos excelentes em Era Uma Vez Em… Hollywood. É o seu Cliff Booth que, provando ser um dublê muito capaz, detém as grandes cenas de ação do longa e que, enfim, exprimem a esperada sanguinolência (mais comedida do que o esperado) na tela enquanto garantem risadas (a confusão no estacionamento do set de Besouro Verde) ou tensão, como na inquietante sequência do Rancho Spahn, cuja apurada mixagem de som só tende a amplificar o sentimento que a filmografia do cineasta nos conduziu a ter para essas passagens que retardam, mas não poupam em violência.

(© Sony Pictures/GIPHY/Reprodução)

Era Uma Vez Em… Hollywood (Once Upon A Time In… Hollywood, no original), enfim, pode ser sobre muitas coisas que seu realizador tanto preza em homenagear: os papos inteligentes e inesperados que só acontecem no tempo livre entre as filmagens, a simplicidade dos seriados que não incomodavam o garoto de 6 anos que já formava sua cinefilia e, ainda, o culto aos ídolos esquecidos que o diretor sempre fez questão de resgatar em suas próprias películas, mas talvez não seja apenas sobre isso…

Quando Tarantino fez Os Oito Odiados, toda aquela longa e congelante história, no final das contas, se tratava em reverenciar o ato universal de contar histórias, atando-nos entre as clássicas fórmulas do suspense. Com seu nono filme, o cineasta não desperdiça a oportunidade de celebrar a experiência coletiva que é fazer e, acima disso, assistir a um longa na telona (ou nas telinhas) e esperar as emoções que nos reservam e compartilhar com os outros; algo que parece encantar Quentin Tarantino dada a liberdade e alcance de uma experiência livre tanto para astros, dublês e atrizes em ascensão, como para um velho cego que não pode deixar de ver pontualmente o seu programa favorito com a suposta amada. O que importa é que histórias continuam contadas, vistas e ouvidas em todos os cantos e que atores decadentes podem ganhar o dia ou a noite mediante aprazíveis reconhecimentos.



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