sábado, 9 de janeiro de 2016

Os Oito Odiados | CRÍTICA


"Um daqueles rapazes não é o que diz ser". A frase do caçador de recompensas interpretado por Kurt Russel, poderia se aplicar, de certa forma, sobre Os Oito Odiados (The Hateful Eight), o segundo western de Quentin Tarantino e, talvez, seu antepenúltimo filme. Situado anos após a Guerra da Secessão e num clima completamente atípico de um faroeste, o que era pra ser uma sequência de Django Livre se mostra completamente distinto de um clássico "bangue-bangue". No Armazém da Minnie, reina o suspense, a desconfiança de praxe entre personagens e a prova do quanto o diretor e roteirista amadureceu a cada obra.

A caminho da cidade de Red Rock, a diligência contratada por John Ruth (Russel) levando sua prisioneira Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh) é parada no meio do caminho pelo Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson), que procura levar seus "prisioneiros" para o mesmo destino de Ruth. O preconceito proferido pelos demais passageiros da diligência – e inclui aí o Confederado Chris Mannix (Walton Goggins), assim como os hóspedes da estalagem – não intimidam Warren, que se gaba de ter matado brancos e cuja posição hierárquica é um mero detalhe perto da astúcia observadora e, quando ele põe os pés no armazém onde sempre foi bem recebido, as coisas não parecem exatamente em ordem.

Utilizando um número ínfimo de cenários, Tarantino hospeda um pequeno grupo de viajantes que também procuram se proteger da nevasca por vir, mas a discriminação também paira sobre a venda. Seus proprietários viajaram, de acordo com o mexicano Bob (Demian Bichir), mas o tradicional guisado de carne da Minnie é o mesmo, assim provado por Warren. No entanto, lá está um velho sulista (Bruce Dern) ressentido pela morte do filho, um inglês (Tim Roth) que diz ser o carrasco de Red Rock e um cowboy (Michael Madsen) que está voltando para casa a fim de passar o Natal com sua mãe. Seria coincidência os quatro estarem ali ou eles tinham conhecimento de que a cabeça de Daisy Domergue vale a quantia de 10 mil dólares? Tendo algemado Domergue ao seu antebraço, John Ruth faz questão de deixar claro de que ninguém vai tocar na fugitiva, muito embora não economize em espancar a mulher, que expressa sorrisos perversos a cada agressão. Como diria o antigo provérbio Klingon, "a vingança é um prato que se come frio" e a noite, além de fria, será muito longa, o que faz com que Tarantino aproveite o máximo de seus atores, em especial Jackson, Goggins, Leigh e Dern, nesse lento desenrolar que possui passagens ótimas e outras, bem, um tanto redundantes.



O armazém diabólico


Quando se assiste a Os Oito Odiados, não há (auto) referência mais próxima do que Cães de Aluguel. No entanto, o tão cinéfilo diretor vai além e traz muita bagagem para sua nova obra, e se destaca justamente por torná-las mais transparentes, diferente de seus filmes anteriores onde procurava emular suas referências favoritas, seja pela trilha sonora ou pelos enquadramentos e figurinos de personagens. Mas é com Festim Diabólico, aquele do Hitchcock de 1948 feito em planos-sequências, que parece ser o grande flerte da vez de Tarantino, colocando Samuel L. Jackson no "papel de detetive" como o professor interpretado por James Stewart naquela ocasião, apresentando então uma das melhores atuações de sua vasta carreira, superando o traiçoeiro Stephen de Django Livre. É o Major Warren que aponta as pistas, tão bem destacadas pela iluminação pontual do diretor de fotografia Robert Richardson, assim como aquele que interroga os demais sujeitos antes e depois dos primeiros jorros de sangue começarem a pintar o piso amadeirado, indicando as evidências de um possível assassinato muito antes da diligência de O. B. chegar.

Se Quentin Tarantino ficou marcado pelo uso exagerado e até escrachado da violência, é com supresa que notamos aqui o quão tarde os primeiros tiros são disparados, muito embora a sinistra, mas não menos marcante, trilha sonora de Ennio Morricone faça o trabalho de antecipar a violência logo na sequência de abertura, um terror que será, em boa parte, psicológico. Não há explicação melhor, se não, do que o próprio amadurecimento do autor, que agora parece ainda mais dedicado a desenvolver cada vez mais seus icônicos personagens, mas que não abre mão de seus elementos narrativos favoritos. Estão lá a divisão em capítulos e seus títulos irônicos, as conversas deveras fiadas, os movimentos circulares e até mesmo o plano contra-plongée com os personagens olhando para baixo, que virou uma das assinaturas de Tarantino, aparece em um momento-chave. A grande novidade, além da notável direção de atores, é o modo como o diretor utiliza os fundos dos seus planos, demarcando sempre com ações de seus personagens, além das belas transições da luz natural, expondo o violento inverno nos gloriosos 70mm.



Uma única raça


Quando Warren fala sobre uma determinada placa afixada por Minnie, sabemos que o preconceito não se limita entre brancos e negros. Durante a projeção, Tarantino demonstra que a discriminação sempre existirá em todo o aspecto étnico-racial: o inglês se acha superior ao americano branco, que despreza o índio nativo e o negro imigrante, que acha o mexicano tão sujo quanto um cão, e todos esses homens, em algum momento, querem se por como superiores a mulher, que não se isenta em guardar um sentimento repugnante ao sexo oposto.

Contudo, esse preconceito cíclico de muitas vias parece diminuto diante de uma grande característica do ser humano, uma da qual Tarantino faz questão de marcar a própria presença após o final de um capítulo. Quase todos os personagens que passam no Armazém da Minnie são bons de papo e relatam suas origens ou sua parte na guerra, sejam elas verdadeiras ou falsas, cansativas ou engraçadas, a questão é que toda essa verborragia, por fim, gera uma reação. É provável que, de todos os filmes do diretor, este seja o de maior dificuldade de compreensão, ou talvez Tarantino tenha extrapolado mesmo, mas quando se trata em contar histórias, o melhor de nós, não se deve negar o poder da imaginação.




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