sexta-feira, 11 de maio de 2018

A Noite do Jogo | CRÍTICA


É quase que uma unanimidade: fazer um filme de comédia não é nada fácil, afirmam os mais conhecidos guias de roteiro. Todavia atribuam tal dificuldade principalmente a questões de diferenças culturais entre países (enquanto o drama seria universal para todos) e que por vezes a dublagem tem que "localizar" as piadas para serem justamente funcionais para quem assiste, a verdade é que o humor também se altera com o passar do tempo e que um mesmo chiste pode não ter a mesma graça do que em suas primeiras encenações. Assim, um programa que era pra ser divertido acaba sendo repetitivo e enfadonho diante de uma obra defasada.

Por sorte, A Noite do Jogo (Game Night) é exatamente aquele tipo de comédia que vai nos conquistando e também nos surpreendendo com sua linguagem reverente ao narrar uma sequência de incidentes absurdos que acontecem aos protagonistas (ou jogadores, melhor dizendo), atirando boas gags físicas e verbais se aproveitando do imenso repertório da cultura pop, tal como as boas produções do gênero têm feito nos últimos anos. Dessa forma, o roteiro de Mark Perez apresenta o casal formado por Annie (Rachel McAdams) e Max (Jason Bateman) respondendo uma pergunta sobre Teletubbies ao som de 'Don't Stop Me Now', do Queen (que também se faz presente em outro momento da trama), entretendo o público também com crises conjugais alheias, suposições de mecanismos de compensação masculinos enquanto torna a fatídica noite de diversão dos casais em um evento que vai além de seus jogos de tabuleiro, mímica e adivinhação: a partir do momento em que Brooks (Kyle Chandler), o galante irmão mais velho de Max, é sequestrado no que pensavam ser uma dinâmica arranjada pelo próprio, acaba se tornando uma missão de fuga e busca de consequências e reviravoltas pra lá de inesperadas.

Warner Bros. Pictures / Divulgação)

Atuais nomes ligados à realização do filme solo do Flash, a dupla John Francis Daley e Jonathan Goldstein é reverente em sua execução do roteiro, sendo notáveis não só pelo bom pique da montagem, como na condução das sequências de ação que se destacam por sua inventividade cinematográfica que não se vê nos filmes por aí. Assim, se um hilário plano-sequência na mansão do personagem de Danny Huston é registrado como se fosse uma perigosa brincadeira com os arremessos de um importante artefato, é interessante notar como os cineastas filmam as cenas de perseguições de carros movimentando a câmera de acordo com as direções dos veículos, além de empregar lentes tilt-shift em planos de ambientação das vizinhanças miniaturizando-as como se fossem peças de um tabuleiro tridimensional do Jogo da Vida.

O elenco não compromete a diversão, de forma alguma. Embora Rachel McAdams e Kyle Chandler sejam quase novatos na comédia e que aproveitem a oportunidade para se descontraírem além do hábito ao passo em que Jason Bateman já está acostumado no ramo, destacam-se o tagarela Lamorne Morris e Kylie Bunbury num acesso de ciúmes envolvendo um adultério com um tal "Denzel Washington", enquanto Billy Magnussen acerta em sua representação de um "loiro burro" deixando a parceira vivida por Sharon Horgan ser dona de toda a sagacidade. No entanto, quem rouba a cena mesmo no filme é Jesse Plemons que faz de seu esquisitão policial em uma figura engraçadíssima por sua sugestão de psicose que, ao contrário do que se pensa, não deve ser subestimado – pistas durante a projeção e nos créditos finais que o digam.

Warner Bros. Pictures / Divulgação)

Afiado no retrato competitivo das pessoas e suas motivações quase sempre consumistas, certeiro em seu deboche enquanto resgata o prazer dos board games e das dinâmicas nada virtuais, fica óbvio que A Noite do Jogo não quer competir pelo título de melhor comédia da década, mas sua sagacidade e todos os demais atributos já mencionados colocam o filme casas a frente de tantas outras produções que clamam em ser cômicas e insistem em ficar no mesmo tempo e espaço.



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