sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

A Mula | CRÍTICA


Ideias mudam a todo o instante e o lendário Clint Eastwood (que havia parado de atuar em seus próprios filmes após Gran Torino) voltou a dar as caras nas telas encarnando um personagem a partir de um conto real que, de uma forma ou de outra, diz muito sobre o cineasta e seus papéis pregressos. Contando com um elenco de apoio estelar, A Mula (The Mule) é um intenso filme contemporâneo de estrada guiado por uma leva de pensamentos retrógrados que só poderiam pertencer a um sujeito que ainda regozija os costumes do passado.

Inspirado no artigo "The Sinaloa Cartel's 90-Year-Old Drug Mule" publicado na New York Times Magazine, o filme conta como Earl Stone (Eastwood), um então floricultor premiado que viu seu negócio ruir com o avanço da Internet em paralelo com o afastamento de sua família, passou a trabalhar para o narcotráfico transportando quantidade absurdas de cocaína pelos Estados Unidos por rotas que a polícia dificilmente suspeitaria. Voltando a ter gosto pelo dinheiro entre mais de doze corridas, Stone tenta se reaproximar da filha (Alison Eastwood) e da ex-esposa (Dianne Wiest) sempre endossado pela neta (Taissa Farmiga), dando-se também o prazer de alguns luxos mesmo que sua vida esteja em constantes ameaças perante esse imperdoável mundo do crime.

(© Warner Bros. Pictures/Divulgação)

Sob os ocasionais tons esverdeados da direção de fotografia de Yves Bélanger (Sharp Objects, Livre) cujos movimentos de câmera instáveis contribuem para a tensão da trama, Eastwood e seu editor Joel Cox provam que ainda sabem dosar bem o ritmo da montagem dentro do que pede a narrativa (embora os efeitos de fusão entre cenas pareça uma aplicação amadora) em uma história de contornos imprevisíveis. Entre uma batida policial que ecoa com uma cena semelhante vista há mais de cinquenta anos em Psicose e cenas altamente burocráticas interpretadas por Bradley Cooper, Laurence Fishburne e Michael Peña, o diretor possui uma sagacidade carismática a fazer o público ser cúmplice das ações de seu protagonista, ainda mais quando troca diálogos potentes com Cooper e Wiest.

(© Warner Bros. Pictures/Divulgação)

No entanto, é intragável ver que algumas passagens preconceituosas presentes no roteiro escrito por Nick Schenk (Gran Torino) passem batido pelo cineasta, ainda mais quando este nunca escondeu seu lado republicano ou até conservador. Em outras circunstâncias, Stone/Eastwood lamenta pela possibilidade de não haver mais veteranos de guerra e parece que se dá o direito de ser auto-indulgente por ser um cidadão americano, branco e que trabalhou a vida inteira, ao contrário das "dikes on bikes",  dos "negros" e dos tantos latinos com quem interage – sem destratá-los, porém. 

Dá saudade do bom e velho Clint e suas decupagens fascinantes como aquelas de As Pontes de Madison e de Menina de Ouro, quando seus filmes eram incrivelmente humanos e não toda essa panfletagem patriótica que voltou a endossar pouco antes de Sniper Americano. Mesmo com seu sorriso carismático e sua admirável produtividade com seus quase 89 anos, no fundo, Eastwood não deixa de ser uma "mula" que sempre escondeu e carregou conceitos hoje intransigentes.



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