sexta-feira, 19 de junho de 2015

Anjos da Revolução | CRÍTICA (4º Olhar de Cinema)


Bastou o nome do diretor, Aleksey Fedortchenko, aparecer na tela para arrancar alguns risinhos da plateia curitibana, antecipando a sensação do que viria a ser o filme a seguir: pitoresco, estranho, e levemente engraçado. Choque cultural, já que se trata de um filme falado numa língua alheia à nossa realidade, com situações estranhas e uma narrativa difícil de apreender.

Na trama, Polina, uma agente russa, é convocada pelo nascente governo soviético para levar a ordem ao norte do país. Ela conta com cinco de seus amigos, ex-companheiros que agora se tornaram artistas, para conciliar a nova cultura da vanguarda com o paganismo antigo dos povos que vivem na floresta ao redor do grande rio siberiano de Ob.

O humor é sutil, mais apreendido pelo caráter da situação do que por ter sido criado com este fim, e que me leva a pensar em dois exemplos:

Numa cena, os soviéticos explicam aos nativos sobre a importância de se criarem crematórios para acabar com a proliferação de cemitérios que tomam muito espaço. E a demonstração é feita cheia de pompas com cada observação sendo explicada com seriedade e aplaudida. Entretanto trata-se de algo bem simples, uma maquete de um santuário é transformada em um crematório com a retirada de algumas peças e substituição por outras como se fosse um brinquedo, e com chamas ligadas dentro por um controle ativado.

Ou em duas ocasiões em que Polina toca um Teremim, um instrumento musical eletrônico, tocado sem contato físico, apenas com a manipulação de ondas geradas por ele com as mãos.



Em ambos os casos, as personagens agem de uma forma séria, simples e natural, sem terem um senso da banalidade ou do ridículo da situação. As personagens não parecem possuir “vida própria”, como se existissem unicamente em função das ações propostas pelo filme. Claro que isto soa paradoxal, porque todas as personagens existem em função de seus filmes, mas a questão aqui é que as personagens do filme não vivem em constante transformação e não tem seus conflitos internos expostos, daí que não soam como pessoas de verdade. Além disso, a montagem praticamente não existiria para o filme não fosse a troca de cenas, ou vez ou outra entre planos. E com isso temos uma conseqüente lentidão e desnorteamento pela natureza estranha de muitas ações. O cineasta não busca pontuar nada mais do que o que está mostrado.

Seguindo essas ideias, o filme compartilha de uma estranha afinidade com A Proletarian Winter’s Tale, também em competição neste festival. Ainda que tratem de assuntos diferentes e possuam algumas visões estilísticas diferentes, o humor nos dois filmes parece ter esta mesma raiz, e que também lembra muito o filme de Roy Andersson, A Pidgeon Sat on a Branch Reflicting on its Existence, vencedor do último Leão de Ouro em Veneza, o que pode ser o indicativo de mais uma moda no cenário europeu.

Mas apesar do humor, isso não torna o filme fácil de se assistir. A recusa num desenvolvimento dramático aliada ao estranhamento das situações, provocam um estranhamento ainda maior, porque as cenas não parecem estar conectadas umas às outras. O que existe no filme é um arco de situações simbólicas que demonstram o conteúdo abordado pelo filme.

Angely revolucii trata da imposição do pensamento soviético às tribos que habitavam o país. E nisso proliferam-se as imagens de salas de aula, aonde são demonstrados pensamentos e invenções aos nativos. Mas o que é supostamente libertário também é opressor, e esse choque cultural leva a sérias conseqüências: os “professores” são executados pela tribo. E posteriormente, a tribo é forçada a sair do lugar quando surge o exército soviético.



Mas na seqüência final do filme, temos acesso à duas cenas marcantes por um certo humanismo e tristeza, destoantes do resto do filme. Na primeira cena, vemos a atual cidade de Kazym, onde outrora havia uma floresta e um cercado onde se criavam renas, reduzida a duas renas amarradas ao cercado, sendo uma delas sem os chifres, e um grande campo aberto de neve com uma cidade incipiente ao fundo.

Na cena seguinte, num apartamento de estilo ocidental, vemos uma velha senhora vestida a caráter como numa das tribos que viviam na Rússia, andando de um corredor para uma sala cantando uma música dos tempos soviéticos.

Ela termina o percurso olhando para a câmera. Um letreiro informa que ela é a primeira cidadã da Yugra Soviética – ou seria a última de seu povo?

O que me faz lembrar de Margareth Mitchell, em "E O Vento Levou...": 

Procure por isso apenas nos livros, aonde não são mais do que um sonho recordado. Uma civilização que o vento levou...

E enquanto este filme continuar a ser projetado, será projetado também o canto do cisne de um povo extinto.



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