Boas narrativas de suspense envolvendo desaparecimentos e/ou assassinatos nunca vão perder seu estranho encanto. Por mais antigos que já estejam os contos de Agatha Christie e, no cinema, A Regra do Jogo e as tantas fitas de mistério de Hitchcock envolvendo um coletivo de personagens há sempre de nos deixar com a ansiedade a mil onde a torcida pelos mocinhos e a punição aos mal-feitores se faz algo eficientemente atemporal enquanto nós, espectadores sabidos diante das pistas destacadas, aguardamos pela resolução.
Mais do que um entusiasta do gênero, M. Night Shyamalan gosta de se arriscar nas convenções do mesmo ao passo em que as revitaliza, e apesar de seu exagero recorrente em se tratando de clímax, é inegável que o cineasta por trás de O Sexto Sentido, Sinais e Fragmentado sabe mexer com as expectativas do público.
Visitantes descobrem que possuem perfis semelhantes entre si. (© Universal Pictures/Divulgação) |
Em terra onde cada linha de diálogo e objeto de cena pode ser informação de tremenda importância para a compreensão e, daí, para a tentativa de fuga tão estimada, Tempo é um palco de performances admiráveis por parte de seu elenco, ainda que nem todos sejam dos mais competentes (Abbey Lee, por exemplo, parece ser contratada para desfilar desde Mad Max…). Munidos de maquiagens convincentes enquanto atores mirins recebem substituições, Gael García Bernal e Vicky Krieps dominam as cenas onde é exigida uma tensão psico-física acarretada justamente pelo envelhecer e, disso, ouvimos vozes se agravarem, feições do rosto exprimirem rugas e até um enrijecimento do restante do corpo não passa batido. Obviamente, enfermidades crônicas também estão inclusas no pacote e complicam a convivência dos turistas.
O filme também pode ser visto como um manifesto teórico por parte de Shyamalan. Movimentando a câmera com elegância a ponto de render planos-sequências na orla da praia saindo de um incidente com uma família para ir de encontro a outra (e assim quase que sucessivamente), o diretor aproveita tal sensação de dilatação do tempo para introduzir surpresas assim que o foco do quadro retorna ao devido elemento em questão inferindo que não só de cortes se fazem elipses, muito embora a ideia de câmera parada também é passível de truques de montagem. Até o fato do personagem interpretado pelo diretor surgir em cenas utilizando binóculos e câmeras não é gratuito, tal como a cor da sua camiseta que, para qualquer espectador atento, há de sacar o posicionamento do hotel em cena.
A composição por camadas revela e omite informações do contracampo. (© Universal Pictures) |
A mise-en-scène dos planos também é outro deleite a qualquer bom cinéfilo. Como o suspense demanda, a antecipação pelo que está no contracampo se intensifica com a nossa curiosidade perante o envelhecimento das personagens e Shyamalan é astuto em compor cada plano por camadas de forma bastante sugestiva. Nas conversas entre os jovens vividos por Thomasin McKenzie (Jojo Rabbit), Alex Wolff (Hereditário) e Eliza Scanlen (Adoráveis Mulheres), por exemplo, Shyamalan dedica um enquadramento over the shoulder bastante fechado em seus rostos evitando que qualquer outro detalhe marcante seja revelado com facilidade ao público; em outro momento, a câmera desfocada como um subjetiva de um personagem com vista cansada também nos deixa atônitos em temer pela vida de um personagem mediante uma situação de perigo.
(© Universal Pictures/Divulgação) |
E, assim, Tempo nos entrega uma experiência de tirar o fôlego – e de nos matutar pelo destino comum a todos nós! Não que seja um longa repleto de ação como fora Vidro, mas há um magnetismo aqui que nos prende por mais que, a uma primeira vista, tenha tudo pra ser uma sessão tediosa. No alto de também querer fazer parte desta história, M. Night Shyamalan é mestre neste tabuleiro que mexe com um tema inegavelmente cruel e entrega um de seus filmes mais coesos até então.
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