É como se o filme rodado lá por David Ayer fosse uma lenta preparação para o que vemos aqui, agora com demasia de ação (o que é muito bem-vindo). Ágil, Gunn dá chicotadas em zoom com a câmera introduzindo seus novos personagens que terão uma breve ou demorada passagem pela nova leva da Força-Tarefa X prezando pela economia de informação – sem cartelas com legendas espalhafatosas, sem trocas de músicas populares a cada minuto; para o cineasta, figurinos e a breve menção da ficha corrida de cada vilão são o suficiente para o público assimilar os históricos quase sempre bizarros dos malfeitores com a corda no pescoço. Diante disso, não se passam nem vinte minutos e o diretor nos concede uma prévia do tanto que virá pelas próximas duas horas: muita sanguinolência, diálogos afiados e a humanidade, pra variar, sendo muito da traiçoeira.
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Equipe que vai do retorno de Joel Kinnaman a adição de Daniela Melchior segue bem entrosada por todo o filme com bons diálogos (© Warner Bros. Pictures/Divulgação) |
Bastante tarantinesco (e não seria coincidência que Fred Raskin, de Era Uma Vez… em Hollywood e de outras colaborações com Tarantino, esteja montando o filme aqui) enquanto parece ciente do que o público gostou de ver nas temporadas de The Boys, é fato que a descartabilidade dos personagens concede ao realizador a possibilidade de inventar e destinar desde mortes engraçadas por sua ironia e estupidez a execuções revoltantes além da oportunidade de vermos figuras que dificilmente apareceriam num filme solo do Superman (que tá fazendo falta, diga-se de passagem) ou de outros heróis da editora.
Tal dinâmica se faz muito eficaz para equilibrar a atenção para aqueles que detêm o protagonismo do filme, no fim das contas. Ao passo em que alguns caem e explodem em campo, a disposição em capítulos (anunciados muito que criativamente, por sinal) oferece a Arlequina da sempre maravilhosa Margot Robbie momentos totalmente seus sem que tome conta de toda a história (tal como aconteceu sem querer querendo com Aves de Rapina…) enquanto que adições como o Sanguinário (Idris Elba), apesar de ter um arco muito semelhante ao de Will Smith no filme anterior, se garante com a destreza e o carisma do ator em seus embates de masculinidade com o Pacificador de John Cena, que também se garante em ser mais do que um brucutu.
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O jogo político de Amanda Waller (Viola Davis) é permeado por chantagens. (© Warner Bros. Pictures) |
Viola Davis reprisa a sua Amanda Waller muito mais irredutível e até mais perigosa para um papel quase que burocrático. Em seu semblante de tolerância zero para bandidos, a senadora por trás da iniciativa continua seu hábito de contar meias-verdades e é notável uma ferocidade na voz de Davis quando se trata de defender as convicções da personagem. Ainda assim, boa parte do êxito de O Esquadrão Suicida não se deve apenas à parcela de seu elenco e personagens estelares, mas principalmente às adições de rostos menos conhecidos.
Ora, se Nanaue/Tubarão-Rei ainda conta com a voz de Sylvester Stallone carregada de uma ingenuidade cômica perante o porte ameaçador do personagem e que o uniforme ridículo do Bolinha não limita David Dastmalchian em fazer com que seu estranho poder seja útil, é a portuguesa Daniela Melchior que acaba conquistando com seu olhar sereno. No papel de Caça-Ratos 2, a atriz fornece à personagem um coração gentil além de seus momentos engraçados e até pela fofura de seu pequeno parceiro. "Vilã" de habilidade questionável perante as fichas de seus colegas, Gunn pontua que, assim como a millennial, é provável que nem todo capanga seja um psicopata de coração nefasto e que encontre no crime uma tentativa de como sobreviver num mundo de desigualdades. Há quem diga, por exemplo, que Gotham seria bem diferente se Bruce Wayne dedicasse a sua fortuna no combate à pobreza e demais problemas sociais…
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Clímax entrega sequências literalmente grandiosas. (© Warner Bros. Pictures/Divulgação) |
À parte dos excessos sonoros de explosões que são uma inerência do gênero, a parte musical traz um deleite eclético de canções que vão desde Johnny Cash a Gloria Groove e Karol Conka no percurso por Corto Maltese sem exagerar nesse aspecto – há muito do som ambiente e falas são quase onipresentes. Pensando na proposta de replicar a atmosfera dos filmes setentistas de mercenários (e até a disposição dos créditos iniciais segue tal estilo), o diretor de fotografia Henry Braham apresenta fotogramas que transmitem o calor bélico, mas há momentos que contemplam as nuances de seu cenário tropical, além do admirável baile de câmera na sequência onde Arlequina foge de um palácio.
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Margot Robbie não cansa de surpreender com Arlequina. (© Warner Bros. Pictures/Divulgação) |
No mais, a considerar que James Gunn realiza aqui um filme que a cartilha de bons modos da Marvel/Disney dificilmente permitiria, é mérito do cineasta em não se deixar levar por receios e aproveitar o contexto de O Esquadrão Suicida (The Suicide Squad, no original) para inferir a participação dos Estados Unidos em golpes de estado em nações da América Latina ao longo das décadas …e até há pouco tempo. No fim das contas, as perguntas que ficam: quem é mesmo o vilão? O que leva as pessoas a seguir por maus caminhos?
Engana-se quem supõe que entretenimento não pode ser consciente.
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