quinta-feira, 5 de agosto de 2021

O ESQUADRÃO SUICIDA – quem é mesmo o vilão? | CRÍTICA



O Esquadrão Suicida é o filme que todos esperavam ver em 2016 e não é por menos que o seu título praticamente idêntico remeta a uma ideia de reinício tendo em mente os tão debatidos vacilos de seu antecessor. Sob a direção e roteiro de James Gunn (dos filmes Guardiões da Galáxia), tudo está maior e melhor não só por utilizar as câmeras do IMAX, mas pelo fato de a equipe de vilões descartáveis da DC finalmente enxergar a sua devida identidade própria com uma narrativa maliciosamente divertida.


É como se o filme rodado lá por David Ayer fosse uma lenta preparação para o que vemos aqui, agora com demasia de ação (o que é muito bem-vindo). Ágil, Gunn dá chicotadas em zoom com a câmera introduzindo seus novos personagens que terão uma breve ou demorada passagem pela nova leva da Força-Tarefa X prezando pela economia de informação – sem cartelas com legendas espalhafatosas, sem trocas de músicas populares a cada minuto; para o cineasta, figurinos e a breve menção da ficha corrida de cada vilão são o suficiente para o público assimilar os históricos quase sempre bizarros dos malfeitores com a corda no pescoço. Diante disso, não se passam nem vinte minutos e o diretor nos concede uma prévia do tanto que virá pelas próximas duas horas: muita sanguinolência, diálogos afiados e a humanidade, pra variar, sendo muito da traiçoeira.


Equipe que vai do retorno de Joel Kinnaman a adição de Daniela Melchior segue bem entrosada por todo o filme com bons diálogos (© Warner Bros. Pictures/Divulgação)

Bastante tarantinesco (e não seria coincidência que Fred Raskin, de Era Uma Vez… em Hollywood e de outras colaborações com Tarantino, esteja montando o filme aqui) enquanto parece ciente do que o público gostou de ver nas temporadas de The Boys, é fato que a descartabilidade dos personagens concede ao realizador a possibilidade de inventar e destinar desde mortes engraçadas por sua ironia e estupidez a execuções revoltantes além da oportunidade de vermos figuras que dificilmente apareceriam num filme solo do Superman (que tá fazendo falta, diga-se de passagem) ou de outros heróis da editora. 

Tal dinâmica se faz muito eficaz para equilibrar a atenção para aqueles que detêm o protagonismo do filme, no fim das contas. Ao passo em que alguns caem e explodem em campo, a disposição em capítulos (anunciados muito que criativamente, por sinal) oferece a Arlequina da sempre maravilhosa Margot Robbie momentos totalmente seus sem que tome conta de toda a história (tal como aconteceu sem querer querendo com Aves de Rapina…) enquanto que adições como o Sanguinário (Idris Elba), apesar de ter um arco muito semelhante ao de Will Smith no filme anterior, se garante com a destreza e o carisma do ator em seus embates de masculinidade com o Pacificador de John Cena, que também se garante em ser mais do que um brucutu.

O jogo político de Amanda Waller (Viola Davis) é permeado por chantagens. (© Warner Bros. Pictures)

Viola Davis reprisa a sua Amanda Waller muito mais irredutível e até mais perigosa para um papel quase que burocrático. Em seu semblante de tolerância zero para bandidos, a senadora por trás da iniciativa continua seu hábito de contar meias-verdades e é notável uma ferocidade na voz de Davis quando se trata de defender as convicções da personagem. Ainda assim, boa parte do êxito de O Esquadrão Suicida não se deve apenas à parcela de seu elenco e personagens estelares, mas principalmente às adições de rostos menos conhecidos.

Ora, se Nanaue/Tubarão-Rei ainda conta com a voz de Sylvester Stallone carregada de uma ingenuidade cômica perante o porte ameaçador do personagem e que o uniforme ridículo do Bolinha não limita David Dastmalchian em fazer com que seu estranho poder seja útil, é a portuguesa Daniela Melchior que acaba conquistando com seu olhar sereno. No papel de Caça-Ratos 2, a atriz fornece à personagem um coração gentil além de seus momentos engraçados e até pela fofura de seu pequeno parceiro. "Vilã" de habilidade questionável perante as fichas de seus colegas, Gunn pontua que, assim como a millennial, é provável que nem todo capanga seja um psicopata de coração nefasto e que encontre no crime uma tentativa de como sobreviver num mundo de desigualdades. Há quem diga, por exemplo, que Gotham seria bem diferente se Bruce Wayne dedicasse a sua fortuna no combate à pobreza e demais problemas sociais…

Clímax entrega sequências literalmente grandiosas. (©  Warner Bros. Pictures/Divulgação)


À parte dos excessos sonoros de explosões que são uma inerência do gênero, a parte musical traz um deleite eclético de canções que vão desde Johnny Cash a Gloria Groove e Karol Conka no percurso por Corto Maltese sem exagerar nesse aspecto – há muito do som ambiente e falas são quase onipresentes. Pensando na proposta de replicar a atmosfera dos filmes setentistas de mercenários (e até a disposição dos créditos iniciais segue tal estilo), o diretor de fotografia Henry Braham apresenta fotogramas que transmitem o calor bélico, mas há momentos que contemplam as nuances de seu cenário tropical, além do admirável baile de câmera na sequência onde Arlequina foge de um palácio. 

Margot Robbie não cansa de surpreender com Arlequina. (© Warner Bros. Pictures/Divulgação)


No mais, a considerar que James Gunn realiza aqui um filme que a cartilha de bons modos da Marvel/Disney dificilmente permitiria, é mérito do cineasta em não se deixar levar por receios e aproveitar o contexto de O Esquadrão Suicida (The Suicide Squad, no original) para inferir a participação dos Estados Unidos em golpes de estado em nações da América Latina ao longo das décadas …e até há pouco tempo. No fim das contas, as perguntas que ficam: quem é mesmo o vilão? O que leva as pessoas a seguir por maus caminhos? 

Engana-se quem supõe que entretenimento não pode ser consciente. 




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