terça-feira, 23 de outubro de 2018

O Primeiro Homem | CRÍTICA


Talvez ficamos acomodados demais com o teor aventuresco das narrativas espaciais que foram difundidas ao longo destes mais de 120 anos de cinema desde o fantasioso curta-metragem Viagem à Lua, de Georges Méliès, e com tantas outras fitas lançadas nesse meio tempo intercalando-se entre fantasias, distopias e até cinebiografias que, por vezes, não escondiam sua exaltação patriótica perante audiências internacionais. Dessa forma, paira um estranhamento quando notamos que O Primeiro Homem decide recontar a expedição lunar da Apollo 11 por vias mais introspectivas do que o esperado espetáculo de costume e, embora demonstre ser o filme menos eufórico de Damien Chazelle, certamente, se faz outro grande passo na carreira do diretor.


Sem heroísmo, sem fanfarras patrióticas ou até mesmo a icônica "Also sprach Zarathustra" na trilha sonora. Um estado de espírito muito que compartilhado também por Dunkirk, mas, ao invés de se ater a múltiplos personagens como Christopher Nolan fizera no thriller de guerra, Chazelle segue o roteiro escrito por Josh Singer (The Post, Spotlight) acompanhando quase que uma década na vida de Neil Armstrong, sua família e o convívio com os colegas da NASA dentro e fora dos laboratórios e, posteriormente, das aeronaves que o rumaram para o espaço. O diretor vencedor do Oscar na categoria por La La Land prova sua sagacidade ao transitar por vários espaços demonstrando uma decupagem dinâmica e ímpar em relação aos seus longas anteriores, deixando o espectador, no mínimo, com o interesse aguçado em cada etapa dessa difícil, atônita e por vezes frustrante corrida espacial que tanto custou aos cofres dos Estados Unidos na década de 1960.

Universal Pictures/Divulgação)

Se em, La La Land, os movimentos de câmera eram suntuosos em planos ocasionalmente longos, a reprise da parceria de Chazelle com o diretor de fotografia Linus Sandgren apresenta aqui uma sequências de planos que parecem inspirados naqueles do Direct Cinema dos irmãos Maysles ou de Robert Drew em suas observações documentais de personalidades importantes naquela mesma década. A leveza das câmeras de película Super 16mm conferem ao longa um retrato bem mais rústico do cotidiano da família Armstrong e tomando como predileção enquadramentos mais fechados e que por vezes parecem aderir apenas a iluminação diegética. 

Em outros casos, os closes ressaltam a experiência claustrofóbica do jato X-15 e das demais aeronaves que partem para o espaço ao expor a tecnologia (hoje precária) dos equipamentos. Até mesmo em cenas de efeitos, vide aquela da decolagem da Apollo 11, é registrada com uma movimentação rudimentar que se vê refém da limitação do suporte da câmera – o que, por outro lado, intensifica a sensação de resgate cinematográfico ao apresentar movimentos como o tilt executados de uma forma amadora semelhante a do devido período.

Universal Pictures/Divulgação)

Enquanto a passagem na Lua se faz aquela de maior beleza e comoção tanto por sua narrativa como pelo uso das câmeras IMAX de rolo de 70mm e seu nível de detalhismo precioso, até lá, porém, há trechos no roteiro de First Man que devem causar uma certa exaustão do público. Claire Foy e Ryan Gosling estão ótimos como Janet e Neil Armstrong, mas o drama familiar representado pelos protagonistas por vezes parece redundante, depressivo (ainda que se faça necessário) e carente de afeto – logo quando os filmes anteriores de Chazelle eram tão repletos de paixão! Ademais, Jason Clarke surge como um elo motivacional para Neil em sua jornada como o astronauta Ed White enquanto Corey Stoll aproveita o pouco tempo de tela para retratar o carisma de Buzz Aldrin ou, mais especificamente, o "segundo homem". De fato, o roteirista Josh Singer se sai melhor quando evita descrever situações familiares.

Um filme de Damien Chazelle não vive sem música e, como era de esperar, a trilha de Justin Hurwitz se faz perfeita para o filme. Das melodias de notas tímidas ao crescendo de padrões alegres ressoados a cada progresso científico na jornada, o compositor também elabora uma valsa espacial para chamar de sua ao passo em que não se apega à instrumentação clássica ao compor poderosas sinfonias para os momentos decisivos do terceiro ato do longa. Existe até mesmo uma brecha para O Primeiro Homem ser brevemente um musical ao encenar a canção "Whitey On The Moon" e reforçar a crítica socioeconômica nada discreta nos versos originais.

Universal Pictures/Divulgação)

Detentor de um design de som fascinante tal como suas imagens, é gratificante atestar que O Primeiro Homem não segue uma via ufanista mesmo tendo Steven Spielberg como produtor executivo e que prefere mostrar um plausível lado humano acima de todos os custos. Nesse ínterim, acumulamos fracassos, vitórias, ganhos e perdas irreversíveis que, por outro lado, nos instigam a acreditar no poder da resiliência e acreditar que, apesar de todas as adversidades, a humanidade ainda é capaz de realizar grandes feitos.



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