quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Victoria e Abdul: O Confidente da Rainha | CRÍTICA


No alto de seu Jubileu de Ouro, como conta Victoria e Abdul: O Confidente da Rainha (Victoria And Abdul), a longeva Majestade está exausta. Acordar cedo, ser vestida e adentrar os salões dos palácios para cumprir todas as solenidades se tornou uma chatice até chegar a hora de comer e retornar aos seus aposentos, livre das interpelações de sua corte enquanto outro dia não chega. Para uma monarca igualmente rica em cultura, a rotina de realeza morreria em tédio se não fosse pela chegada de Abdul Karim, um jovem indiano designado para lhe entregar uma moeda cerimonial e dali voltar para Agra, mas uma corriqueira (e impensável) troca de olhares faz surgir dali em diante não só uma grande amizade, como um aprendizado mútuo que se figura necessário para a nossa contemporaneidade.

Com roteiro assinado por Lee Hal (Cavalo de GuerraBilly Elliot) e inspirado "em maior parte" nos eventos verídicos escritos por Karim resgatados apenas um século depois pela jornalista Shrabani Basu, Stephen Frears dirige Victoria e Abdul com sua condução comumente positivista que privilegia o bom humor britânico (daqueles com trapalhadas e gags verbais afiadas) acima das adversidades dos iminentes conflitos da narrativa, acertando ao enquadrar inicialmente a rainha à distância e um com um certo endeusamento dados todos os "não-me-toques" atribuídos à realeza, para então se aproximar e atribuir uma paleta de cores mais vivas tal como se pinta a Índia ao passo em que a relação entre Victoria e Abdul, que, de servo, passa a ser um professor para a rainha, se fortalece em suas trocas culturais. No entanto, diferente dos passos instigantes da investigação vista em Philomena, pouco a pouco, são previsíveis os rumos que esta história vai tomar e, por mais que isso se incline a uma segunda metade repleta das mais novelescas das conspirações, é graças a habitualmente majestosa perfomance de Judi Dench (20 anos depois de ter representado a mesma persona em Sua Majestade, Mrs. Brown) e do carismático Ali Fazal (sem se esquecer de seu colega, Adeel Akhtar) que fazem da obra um programa agradável.


Ganhando o público com gracejos e comoções em cena, o filme se destaca por abordar as diferenças sociais e religiosas enquanto a intolerância se mantém uma constante nos dias atuais. Ora, sendo Imperatriz da Índia sem ao menos ter colocado os pés no populoso país, Victoria se diverte aprendendo pouco a pouco com seu munshi, contudo ingênua quanto os verdadeiros costumes do novo amigo que, ao contrário do esperado, não reza para Ganesha e considera o urdu uma língua superior ao popular hindi. E quando a corte descobre que a rainha está lendo nada menos do que o Alcorão? Ou quando, para o espanto ocidental, a esposa e a sogra de Karim surgem cobertas por burcas, ainda que num paradoxo com as vestimentas cobertas e carregadas de luxo das mulheres da realeza? Embora concentrado na jornada de seus personagens e que a moral transmitida não tenha lá sua propriedade de discurso, as críticas leves à islamofobia e à apropriação cultural do Imperialismo (a redução de um importante artefato indiano para ser um mero broche da rainha) surgem acessíveis para o espectador.


Admirável pela fotografia de Danny Cohen (A Garota Dinamarquesa) rodada desde Agra às montanhosas locações escocesas assim como em muitos dos cômodos e propriedades da Coroa Britânica, Victoria e Abdul pode parecer mais um pomposo filme inglês entre tantos que contam as vidas íntimas de reis e rainhas, porém, é inegável que o filme tem seu charme próprio graças ao magnetismo de seu elenco principal e pelo relativo frescor de sua descoberta histórica e, diferente da exigência real por uma certa fruta exótica, emociona o público sedento por contos tão modestos quanto amistosos, além de atiçar a curiosidade pelo período histórico retratado.




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