quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Mindhunter (1ª Temporada) | CRÍTICA


Os primeiros 60 minutos da nova série de David Fincher (como diretor e produtor executivo) colocam o telespectador em um jogo psicológico e provocativo que, à primeira vista, parece deixar bem claro suas intenções. O fato é que todas as pistas e rastros deixados por Mindhunter em seu prólogo revelam, ao longo dos episódios, o maniqueísmo de um realizador que amadureceu sua própria perversidade, assim como os assassinos desta nova e memorável obra produzida pela Netflix.

Baseada em fatos reais, a trama narra os agentes especiais Holden Ford e Bill Tench (Jonathan Groff e Holt McCallany, respectivamente, muito confortável em seus papéis) buscando estudar o comportamento dos mais cruéis assassinos nos EUA na década de 70. A ideia deles é bastante clara: levantar a motivação de cada um destes homens, traçar um perfil de comportamento e descobrir se é possível através da cognição evitar novos assassinatos.


É preciso dizer que logo na primeira entrevista, o público é exposto ao ápice do desconforto. O assassino em questão é Ed. Kemper, um sujeito (real) de mais dois metros de altura, falador, assustadoramente engenhoso que, dentro de uma dezena de mortes, matou, degolou e praticou felação com a cabeça da própria mãe. Cansado de enganar os policiais decidiu se entregar por livre e espontânea vontade quando percebeu que jamais seria pego. Pode parecer que Kemper é uma exceção tamanha a brutalidade de seus crimes, mas o próprio deixa claro, o que vem a ser comprovado pelos protagonistas (e nós) posteriormente, é que ele é somente um dentro de centenas de outras mentes perturbadas vagando o país afora à procura de uma presa. A vontade do criminoso em manter acessível e de bom grado informações tão relevantes para o experimento levam ao inevitável questionamento que Holden e Tench, à primeira vista, parecem pouco se importar: é possível compreender a motivação de uma cabeça tão doentia sem ser afetado por ela?


Embora torne extremamente interessante e inquietante toda a narrativa em busca e definição comportamental dos condenados e disseque com louvor um trabalho minucioso e indispensável para a compreensão da criminologia como é vista hoje, a pretensão do criador Joe Penhall é outra. O programa, aos poucos, expõe suas intenções ao mostrar a psicopatia não somente como algo perigoso, mas, de certa forma, contagioso. Lentamente, a instabilidade psicológica e inabilidade social invadem os personagens, especialmente Holden. Jovem, ambicioso e de carreira promissora, o rapaz molda uma imagem aparentemente inabalável aos relatos dos ‘seriais killers’ (termologia criada por Robert Resser, o verdadeiro Bill Tench), mas, na verdade, é o que mais sofre justamente por ignorar como seu julgamento e percepção da ‘vida normal’ vão se tornando pouco a pouco deturpados, incapacitando e tornando-o refém de um comportamento adulterado pela convivência, quase um relacionamento, que o mantém vitima de suas próprias cobaias. Algo bastante semelhante ao ocorrido com Truman Capote, jornalista e escritor do clássico (e extraordinário) “A Sangue Frio”.

Só é possível compreender que esta inerência não tem volta, quando Penhall já nos têm na palma da mão. O sedutor roteiro conduz a narrativa com precisão quase cirúrgica, abrindo espaço para subtramas com peso sem que essas dispersem do núcleo central, a edição sucinta e sem tolerância para postergações não dá descanso, a trilha sonora imerge entre a inquietante sinfonia do novato Jason Hill e os gloriosos clássicos da época (de Led Zeppelin a Herb Alpert), em meio à atmosfera hostil, contemplada por uma fotografia quase asséptica e ao mesmo tempo sombria (tão característica de Fincher) que te encurrala, quase sem perceber, nas armadilhas dos realizadores. Há uma sequência no epílogo que demonstra com louvor esta manipulação, como uma cobra que espera pacientemente para dar o bote em sua presa. É de gelar a espinha. E coloca Mindhunter na pequena e seleta lista de produções que reforçam o porquê a linha entre o cinema e séries nunca fora tão tênue.




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