quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Boneco de Neve | CRÍTICA


Como em muitos outros casos, Boneco de Neve é um filme resultante de um mais um fenômeno literário e (posteriormente) cinematográfico que tão logo começa a aparecer no formato de similares aplacados por outras editoras e estúdios a fim de desfrutar de tal tendência a partir de um sucesso original, ou, no caso do livro escrito por Jo Nesbø e lançado em 2007, da inspiração do estilo taciturno bolado pelo sueco Stieg Larsson e o seu trio de best-sellers "Millennium", que renderam três filmes locais (revelando a atriz Noomi Rapace) e um remake americano conduzido por ninguém menos que David Fincher. Repetindo semelhantes difamações ao conservadorismo ainda vigente no primeiro mundo tal como Larsson e Fincher acertaram de primeira, aqui, a produção encabeçada por Martin Scorsese se destaca mais pelo seu contexto íntimo e pela gelidez das locações norueguesas.

Com um elenco estelar que traz nomes competentes como Michael Fassbender, Rebecca Ferguson, Charlotte GainsbourgJames D'Arcy, J.K. Simmons, Toby Jones (Atômica), Jamie Clayton (série Sense8), Genevieve O'Reilly (a Mon Mothma de Rogue One), Chloë Sevigny e até um decrépito Val Kilmer, parecia que The Snowman conduziria o espectador rumo a uma inusitada história de serial killers capaz de provocar diversos arrepios, mas em meio a tanta neve, pistas falsas, personagens coadjuvantes a esmo e assassinatos cujas vítimas não têm lá uma motivação muito clara que incite tais crimes, o roteiro acaba contando uma série de digressões entre o passado e o presente que até impulsionam a tensão pelas cidades norueguesas que tentam posar de incólumes a todo o custo, mas a partir do momento em que se torna uma trama mais pessoal, repetem-se no filme todos os artifícios (hoje) previsíveis tão comuns em outros thrillers.


Se a narrativa dúbia faz de Harry Hole um detetive tolerável – afinal, é Michael Fassbender ali representando, por mais que o personagem não traga nenhum diferencial – com um vilão que gosta de estar à sua frente, o que dá pano pra manga em Boneco de Neve mesmo é todo o seu estudo social e psicanalítico em segundo plano que, muito provavelmente, era o que o sisudo Tomas Alfredson (que dirigiu O Espião Que Sabia Demais, com Gary Oldman ao lado de um elenco igualmente notório) mais estava interessado na obra de Nesbø. Porque, enquanto Oslo vive em uma superfície de baixa criminalidade e um empresário (vivido por J.K. Simmons) se engaja na campanha para levar os Jogos de Inverno para a cidade, tentando abafar os feminicídios e o tráfico sexual, figuras variadas da sociedade gritam sufocadas em silêncio que, pouco a pouco, desmascaram a patriarcal rotina de aparências e demonstram o maior acerto da decupagem de Alfredson. Morando ou trabalhando em imóveis com janelas (sem cortinas) até mesmo entre os cômodos, o diretor filma as interações dessas pessoas recuando a câmera no melhor estilo voyeur intensificando o mistério e a paranoia tão difusos na neve, mas é com os breves retratos do detetizador afetado, do pai estéril que não quer que a enteada tenha um celular, das mulheres casadas insatisfeitas, do ex-empresário que se vê a par de seus antigos funcionários, dos ex-namorados que sentem recaídas e de um ensaio íntimo feito em um apartamento paralelo ao de Hole, Alfredson aponta para o degelo do sistema heteronormativo nórdico que, pelo visto, só pode conter tais mudanças de perfis senão por métodos ilegais – mas qual é a necessidade de apenas, majoritariamente, enxergar a culpa na mulher?

O que era pra ser um casual filme europeu de compasso lento como ficamos acostumados a ver, onde a dilatação do tempo empoderava a sua atmosfera e os valores da narrativa, Boneco de Neve projeta uma típica construção hollywoodiana repleta de picotes e junções pouco funcionais (isso que a co-edição envolve a comumente habilidosa Thelma Schoonmaker) somados a uma trilha incômoda, mas com destaques para a curiosa referência à posição dos corpos encontrados (lembrando a silhueta desenhada por Saul Bass para as artes de Anatomia de um Crime) e de uma suposta simbologia para o boneco de neve (um mecanismo de defesa compensando a ausência das figuras genitoras, tal como na fantasia finocanadense Imaginaerum), além do bom arco da assertiva personagem de Rebecca Ferguson. Porém, quando as composições fotográficas do longa se destacam mais do que o seu conto, seria melhor que todos os seus deméritos e excessos de informações ficassem arquivados, evitando, assim, pairar sobre a fina e quebradiça camada de gelo na qual a história se tornou.



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