quinta-feira, 29 de setembro de 2016

O Lar das Crianças Peculiares | CRÍTICA


Cinco anos se passaram desde que o último Harry Potter foi exibido nos cinemas e os grandes estúdios tão cedo não desistirão de suas empreitadas para conseguir emplacar uma nova franquia infanto-juvenil com o mesmo apelo popular e financeiro que a saga do menino-bruxo mantém até hoje. De várias tentativas que fracassaram e impediram suas continuações, a Fox enxergou na literatura fantástica escrita por Ransom Riggs uma oportunidade de cativar aquele grandioso público jovem sedento por coisas encantadoras reunidas numa boa história; algo que, com o renome de Tim Burton na direção e seu famoso estilo gótico suave, certamente resultaria numa boa adaptação cinematográfica. Mesmo com o excepcional trabalho técnico e artístico, como é de praxe na maioria da filmografia do diretor, O Lar das Crianças Peculiares carece de algo que o faria distintamente fascinante.


Diferenças entre livro e filme a parte (como sempre se deve fazer na maioria dos casos), o roteiro de Jane Goldman (X-Men: Primeira Classe) nos situa nos dias atuais e, não por menos, retratando uma juventude igualmente contemporânea com seu protagonista suficientemente deslocado em seu meio e assim criando um elo de empatia com o espectador. Longe de ter o carisma brilhante da Rey em Star Wars: O Despertar da Força, acompanhamos Jake Portman (Asa Butterfield), um jovem que leva uma vidinha sem graça na Flórida e que chega a ser ignorado até mesmo pelos pais, sempre reprovando a boa relação que o filho tem com o avô, Abe (Terence Stamp). Desde a infância, Jake adorava as histórias fantásticas que o velho contava na hora de dormir, contos sobre amigos com habilidades especiais que ele conhecera num orfanato de uma ilha no País de Gales há mais de setenta anos. Histórias que, aos olhos de qualquer estranho ou até mesmo para o restante da família, nada mais são que um atestado de demência para o avô Portman que, até o seu último suspiro, jamais deixou de falar sobre a ilha.




Se não tarda para Jake descobrir que, além daquele vilarejo enevoado que "parou no tempo", se escondem as tais crianças peculiares aos olhos da Srta. Peregrine (Eva Green), para quem está assistindo ao filme mais parece um compilado de boa parte do que já foi visto na filmografia de Tim Burton – e isso não quer dizer que seja algo negativo. Pelo contrário, é divertido ver como elementos consagrados nas obras do diretor (lá estão as áreas residenciais com sua vizinhança homogênea ou o persistente uso do stop-motion no melhor estilo Ray Harryhausen) se mesclam bem com o que o livro traz de diferente para a cultura pop, a menos que aqueles que tenham caído numa fenda temporal não estejam familiarizados com tantas viagens espaço-temporais vistas e lidas por aí. Valendo-se da competente direção de fotografia de Bruno Delbonnel (Grandes Olhos), demonstrando um bom domínio do 3D, o universo de O Lar das Crianças Peculiares consegue ser crível no que se propõe, mas é em sua narrativa que provavelmente se encontra o maior deslize da adaptação, tão irregular quanto os adolescentes ali retratados.

De um começo instigante, daqueles que atiçam a curiosidade sobre aquele mundo particular, passando para um segundo ato que ora se propõe a contar a causa da criação da fenda e a ser sombrio expondo a ameaça dos Etéreos comandados por Barron (Samuel L. Jackson, cômico como se deve) ora procura investir nas paixonites confusas dos juvenis, é em sua parcela final que a direção de Burton se mostra despretensiosa e destoa o que vinha construindo até então, deixando a obra aos moldes leves dos filmes de "super-heróis" atuais no famigerado padrão da Fox.



Diante disso, lá se vão melhores participações das ótimas Allison Janney ou Judi Dench, e até mesmo Eva Green é suprimida logo quando a Srta. Peregrine se mostra a personagem mais carismática e fascinante de todo o conjunto, surgindo sorridente com um papel tão diferente de todas as suas personagens no cinema e na série Penny Dreadful (se não o ápice da sua carreira). É como se este experiente elenco estivesse ali apenas para guiar os jovens astros, mas a verdade é que Asa Butterfield não é mais o mesmo desde A Invenção de Hugo Cabret e, por mais interessantes e cômicas que sejam as peculiaridades de cada criança ali, com seus óbvios momentos de destaque cedo ou tarde, a turma é ofuscada diante do talento de Ella Purnell e não apenas pela habilidade aérea de sua personagem. Todavia justificável o foco crescente em Emma, não seria surpresa caso o diretor projetasse a atriz como a Wynona Rider de uma nova geração.


Entregando aquilo que presume ser o gosto dos jovens que vivem procurando heroínas ou heróis contemporâneos dos quais possam se espelhar, não é de todo o mal que O Lar das Crianças Peculiares (Miss Peregrine's Home For Peculiar Children) prefira a catarse pelo diversão ao invés de trabalhar com as entrelinhas de seu material original, vide a fatalidade de uma bomba nazista atingir um orfanato ou as perseguições aos que eram considerados diferentes naquela época. Talvez seja Tim Burton, desde Sombras da Noite, não querendo provar mais nada a ninguém e apenas querendo aproveitar um pouco daquele entretenimento que o condecorou, ainda mais quando o próprio trata de fazer uma ponta na hilária sequência do ataque das caveiras no parque de diversões.

Mas, para uma obra que enfatiza a manipulação do tempo, é irônico pensar que é injustamente a falta deste que nos impede de apegar mais a tais personagens e suas habilidades extraordinárias. Um sentimento particular de pouquíssimos universos mágicos das páginas e das telas.




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