quarta-feira, 12 de março de 2025

VITÓRIA – um exercício de resiliência | CRÍTICA

 

Fernanda Montenegro em VITÓRIA

Seria pernicioso dizer que há um clima de estafa quando mais um filme sobre o narcotráfico do Rio de Janeiro toma as telas logo quando a pluralidade de nosso cinema vem esbanjando uma miríade de histórias que precisam ganhar mais visibilidade e derrubar, por definitivo, o estigma de gente mal intencionada dizendo que a filmografia brasileira só compreende os "filmes de favela". Entretanto, Vitória traz um olhar distinto para tal segmento enquanto adapta um caso verídico de resiliência perante o caos na esperança a se fazer o certo, apesar de todos os riscos de se perder tudo.


Projeto inicialmente encabeçado por Breno Silveira (2 Filhos de Francisco, falecido em 2023) e assumido por Andrucha Waddington (O Juízo, Casa de Areia), o longa situado na capital carioca em 2005 acompanha Nina (Fernanda Montenegro), uma massagista que vive sozinha em um apartamento antigo na região de Copacabana e que viu a "transformação social" tomar conta do morro que dá vista para a sua janela. Apesar de idosa, a senhorinha segue trabalhando em seus atendimentos como massagista e tem no seu pequeno e modesto lar todo o conforto que precisa no final do dia: um cafezinho com bolo e um disco na vitrola (com o volume cada vez mais alto pra abafar o ruído do funk incessante morro ao lado), só que o sossego passa a ser interrompido com constantes tiroteios e balas perdidas que tendem a atingir o prédio. Na inércia de síndico e da polícia em tomar medidas contra o crime, Nina decide agir por conta própria em busca de provas contundentes para interromper o ciclo de insegurança que tende a colocar até a sua própria vida em alvo.


Não que devemos esperar que Vitória tenha uma certa pegada voyeur ao utilizar uma câmera em sua janela discreta ou faça um thriller erudito tal como Cache, de Michael Haneke, até porque o roteiro aqui segue por um caminho bastante convencional para uma maior solidarização com o público. A afeição por Nina é imediata a se considerar a sua gentileza e boa índole, tratando todos as pessoas ao seu redor com decência – a vizinha Bibiana (Linn da Quebrada), o menor vivido pelo estreante Thawan Lucas. Neste ponto, a decupagem de Waddington valoriza a performance de Montenegro, sendo fascinante reparar como a potência vigente da veterana ao sustentar falas e estendendo ações em planos longos, principalmente em suas interações com o jornalista Flávio Godoy (Alan Rocha).


Catártico por demonstrar a punição a membros de um sistema continuamente falho logo em uma cidade que se deixa consumir pela inação, e certeiro ao não despertar comportamentos reacionários tal como os dois Tropa de Elite provocaram em espectadores que viriam a se aliar logo a quem os filmes (supostamente) criticavam, Vitória pode não ser o grande filme que esperávamos (há solavancos no roteiro como algumas cenas que não levam a nada – a torneira esquecida, a primeira entrada no bingo – ou incidentes que poderiam ter melhor desenvolvimento), mas é bom o suficiente para comprovar que existem pessoas dispostas a fazer a diferença como, um dia, a Joana Zeferino da Paz, a verdadeira "Vitória" resolveu se arriscar.



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