Filme de “aposentadoria” de Ken Loach é uma boa forma de resumir sua filmografia.
A carreira de Ken Loach é uma das mais curiosas que podemos encontrar no cinema contemporâneo. O início com trabalhos para a televisão em 1964, a sua obra-prima, Kes, lançado em 1969 e seu incansável trabalho de retratar as injustiças do Reino Unido.
Com um filmografia sólida, o reconhecimento só veio com a Palma de Ouro em 2006, com o drama de época Ventos da Liberdade, e dez anos depois com seu filme mais conhecido até hoje, Eu, Daniel Blake. Mas o que há em comum em todas essas obras? O ativismo para classes exploradas sendo abordado de maneira bem humorada.
O último pub não foge disso, mas ao mesmo tempo tira o foco do ativismo dos ingleses e aponta a câmera para as desigualdades que os imigrantes sofrem. A classe trabalhadora inglesa, tão abordada por Loach em seus filmes, aqui é retratada com uma alta dose de acidez e crítica.
Em O Último Pub vemos a chegada de imigrantes sírios para uma pequena cidade no nordeste inglês, que foi explorada por diversas décadas por conta da mineiração e hoje sofre com a saída do polo industrial da cidade. Através dos olhos e lentes de Yara (Ebla Mari) é possível observar como foi a recepção hostil dos moradores locais, porém TJ Ballantyne (Dave Turner), dono do antigo pub da cidade, reflete sobre sua atuação política no passado e decide ajudar a jovem a se sentir um pouco mais em casa.
Logo de começo T.J. percebe que Yara é uma personagem oprimida no meio em que vivem, despertando um sentimento de empatia pelos tempos de sindicalista e isso é fundamental para o desenvolvimento da trama. Ao mudar o foco dos problemas que seus colegas homens brancos e velhos passam e mirar nas dificuldades dos imigrantes o filme ganha muito em dramaticidade.
Perceber que os seus não são as melhores pessoas do mundo é um ato doloroso, que faz com que T.J. se cale por muito tempo, mas no fim a trama segue rumos que fazem com que seja impossível não se colocar contra aqueles em que passou a vida toda ao lado. A chamada classe média é constantemente explorada, mas quando pode irá agir de maneira cruel com uma população minoritária.
Uma crônica política tocante e muito autoral, sendo quase impossível não determinar que é um filme de Ken Loach. A fotografia, padrão nos filmes do diretor, encaminha um tom quase documental aos eventos, dando a entender que tudo ali pode acontecer ao seu entorno, fazendo um cinema político sem ser panfletário.
Muito provavelmente não será o filme de despedida de Loach, mesmo que ele tenha dito que era seu último, mas se realmente for, que bom que fomos presenteados com um filme tão gostoso de se ver.
O filme fez parte da seleção oficial do Festival de Cannes de 2023.
Confira o trailer abaixo
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