segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Star Wars: A Ascensão Skywalker | CRÍTICA


Fenômeno cultural que só se amplificou nos últimos anos a ponto de se tornar onipresente em todos os tipos de mídia possíveis divertindo e agregando novos espectadores sem se esquecer daqueles que endossaram tal êxito, Star Wars depara-se com mais outro final de trilogia. Um final, porém, com a inevitável tarefa de entregar um desfecho não menos que apoteótico para a saga iniciada por George Lucas há 42 anos logo quando 2019 sediou dois (ditos) finais das franquias mais populares do momento e suas aclamações divergentes mediante resultados exibidos em suas respectivas telas. Para tanto, na esquiva de conflitos reflexivos que pudessem ser aborrecíveis para o público que busca apenas entretenimento, embora flerte e aplique soluções especulativas meio que infundadas (senão apressadas), Star Wars: A Ascensão Skywalker é em si um espetáculo emocionante em meio ao constante revigoramento de sua mitologia.

Regressando ao tabuleiro galáctico após sua enérgica regência em O Despertar da Força, coube ao diretor J.J. Abrams liderar os eventos derradeiros da intitulada Saga Skywalker mantendo o mesmo pique e tendo que levar em consideração um histórico de maus pressentimentos em série: o afastamento do então diretor e roteirista Colin Trevorrow (Jurassic World), o falecimento de Carrie Fisher em 2016, as perguntas que ficaram sem resposta desde o Episódio VII e até as repercussões mistas do público perante o introspectivo exercício de Rian Johnson com Os Últimos Jedi. Sem titubear nas sequências de ação que se provam verdadeiramente épicas com sua escala apoteótica, Abrams e o co-roteirista Chris Terrio (Liga da Justiça) tentam contornar tais problemas narrando uma aventura bem ritmada no humor e em novos mistérios, ainda que a maioria seja inserida de súbito quando já havia tanto a ser resolvido.

O destino dos Jedi… e de toda a galáxia


(© Lucasfilm/GIPHY/Reprodução)

À parte de revelações talvez intragáveis para muitos que sempre levaram os compêndios de Star Wars a sério, impera aqui uma sensação de urgência que move personagens em inúmeras sequências empolgantes e bem cadenciadas na mescla de suas jornadas caçando artefatos ou fugindo de perigos constantes ou ainda, no caso de Rey (Daisy Ridley) e Kylo Ren (Adam Driver), nas respectivas imersões em seu treinamento Jedi e no aprofundamento do Lado Sombrio. De fato, existe uma pressa para apresentar cada missão e duelo travado em tantos planetas e luas, mas a aventura e o suspense são tão envolventes que dificilmente se fazem dispersivos, contrastando com a quase monótona perseguição do encouraçado da Primeira Ordem contra a minguante frota da Resistência no episódio anterior.

(© Lucasfilm/Divulgação)

Se os remendos que Abrams e equipe conseguem fazer com as imagens de arquivo de Carrie Fisher fazem da última aparição da General Leia passagens sempre emocionantes e inspiradoras no seu lema de esperança (ainda que as frases de efeito ditas pela mesma não sejam compreendidas principalmente pelos realizadores deste filme), e que o retorno de Lando Calrissian (Billy Dee Williams) comprova como o carisma do galante picareta fez falta nas aventuras anteriores, a justiça (por assim dizer) também é feita para os clássicos dróides R2-D2 e, sobretudo, C-3PO (Anthony Daniels) enquanto personagens apresentados pelo diretor lá em 2015, como a anciã Maz Kanata (Lupita Nyong'o) e o General Hux (Domhnall Gleeson) são relegados a cobrir explicações pontuais. Dróide de protocolo ocasionalmente pessimista, é gratificante ver que o personagem presente em todas as trilogias assume um papel de importância que vai além do ótimo timing cômico empregado pelo veterano ator, contribuindo para uma comoção seguida de uma nova leva de cenas cômicas no melhor estilo pastelão do personagem em conjunto com Chewbacca (Joonas Suotamo), Finn (John Boyega) e Poe Dameron (Oscar Isaac), que também reservam uma parcela de boas novidades.

(© Lucasfilm/GIPHY/Reprodução)

Entre efeitos visuais e sonoros que nunca cansam de surpreender em harmonia com as novas músicas compostas por John Williams, que sempre encontra brechas para renovar os temas da saga e fazendo-os soar não menos que inspiradores, é curioso notar como a estrutura narrativa deste Star Wars desprende-se de vez de sua forma convencional de montagem a favor de um conto que, sem dúvidas, merecia um olhar para um breve passado que não poderia ficar apenas nos livros e quadrinhos. Flashbacks resgatando o passado de Luke Skywalker (Mark Hamill) são gratificantes por seu elemento surpresa ao passo em que a questão do parentesco de Rey se faz brusca demais, o que pode atabalhoar a sua compreensão especialmente quando a direção reitera a importância disso. Ademais, é também fascinante notar como outras contribuições técnicas de Os Últimos Jedi são preservadas aqui fazendo com que a guerra travada por Kylo Ren logo no início da projeção seja mais impactante com a adesão do slow motion e supressão de ruídos, agravando o caminho sombrio pelo qual o novo Supremo Líder decidiu trilhar. Na sequência, um tão divertido quanto perigoso excesso de saltos no hiperespaço pela Millennium Falcon dá vez à bela sequência do treinamento de Rey a partir de um ilustre raccord pela continuidade de movimento e cor.

(© Lucasfilm/Divulgação)

Investindo numa sequência que mescla Indiana Jones com Mad Max no árido planeta Pasaana, residindo aí uma das passagens mais espirituosas de todo o longa somadas às angulações arrojadas com que o diretor enquadra em conjunto com o diretor de fotografia Dan Mindel, Abrams também procura exemplificar a repressão de stormtroopers da Primeira Ordem sobre civis de forma semelhante daquela já vista em Rogue One, mas se desvencilha de propor reflexões profundas senão fornecendo a contrabandista Zorii Bliss (Keri Russel) outra frase de efeito sobre a luta do bem contra o mal. Por falar nas adições do elenco, se Russel e Naomie Ackie surgem deslocadas principalmente porque acabam servindo como interesses românticos insossos, talvez seja o General Pryde de Richard E. Grant um dos maiores destaques (sem nos esquecermos do diminuto Babu Frik) por resgatar a frieza imperial enquanto Dominic Monaghan (o Merry de O Senhor dos Anéis) se torna um figurante de luxo a ponto de, juntamente com a ridícula criatura Klaud, ofuscar a importância de outras personagens que tinham alguma relevância prévia ou que mereciam uma atenção final.

(© Lucasfilm/GIPHY/Reprodução)

Propondo surpresas táticas para a derradeira guerra nas estrelas sediada no céu do inóspito planeta Exogol, todavia não se faça tão emblemática quanto aquela testemunhada em Rogue One a não ser por sua escala colossal, A Ascensão Skywalker entrega um empolgante retorno do Imperador Palpatine (Ian McDiarmid) por mais que todo o seu novo arco pareça supérfluo e fira as decisões originais de George Lucas quanto o destino do vilão, algo que também questiona a capacidade dos roteiristas ainda do Episódio VII em sua tentativa de trilhar um caminho para um potencial arqui-inimigo que não resultasse no incógnito Snoke. Sob outro ponto de vista, ter Palpatine de volta ao jogo contribui para a unificação da saga principalmente em seu aspecto mitológico e até valoriza as debatidas prequências dirigidas por Lucas na década passada – o covil do Lorde Sith, arranjado pelos designers de produção e a sempre competente equipe de artistas conceituais da Lucasfilm, se torna um amplificador da magistral performance do ator, que se deleita com a vilania expondo falas sedutoras e maléficas em seu ultimato.

 (© Lucasfilm/GIPHY/Reprodução)

Ao lidar com tamanha propriedade intelectual que tanto despertou o imaginário popular por vários anos a fio, o que beirou a extremos com fãs e sua errônea apropriação em disputas por quem é mais fã, domina conhecimentos da série ou ainda no diminuto direito de julgar o que era "melhor" para as tramas, é verdade que Star Wars: A Ascensão Skywalker (Star Wars: The Rise Of Skywalker, no original) poderia ser algo de maior autoria pessoal, porém, há de se concordar que os realizadores projetaram aqui uma história cativante cuja trajetória, convenhamos, foi a mais equilibrada entre todas as trilogias. Adam Driver e Daisy Ridley certamente foram os protagonistas mais talentosos que a Saga Skywalker teve ao demonstrarem uma dedicação física e mental ímpar aos seus personagens na fuga do maniqueísmo até então apregoado nos roteiros simples, tornando-se ora oponentes ora aliados formidáveis. 

De um desfecho que, iminentemente, abre possibilidades para novos inícios, é piegas dizer que a marca fica a cargo dos desígnios de sua mitologia, uma vez que precisa responder as escolhas executivas de uma bilionária corporação em paralelo com as decisões artísticas. Hoje, Star Wars é muito mais do que um entretenimento leve e um cinema de atrações de avanços em efeitos tecnológicos, mas um sutil reflexo de gerações que utilizou o melhor da fantasia para tal acontecimento – e que a Força esteja com os próximos realizadores para não se esquecerem do quanto isso se faz essencial.




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