quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Entre Facas e Segredos | CRÍTICA


Se tem algo que sempre fascina nas histórias de detetives e que não deixa o gênero se cansar mesmo que ao passar das décadas é a inteligência envolvida em todo o meticuloso processo de revisão de fatos que circundam o crime a ser resolvido, bem como a quebra dos estereótipos que denunciavam os assassinos só por sua aparência, no mínimo, sinistra. Diretor e roteirista não só habituado ao gênero com A Ponta de Um Crime, seu primeiro longa, como um revisionista de mão cheia ao dar um novo fôlego para a ficção científica com Looper: Assassinos do Futuro e (ainda) dividir os fãs com o seu exímio desenvolvimento de personagens em Star Wars: Os Últimos Jedi, Rian Johnson entrega em Entre Facas e Segredos uma narrativa envolvente e astuta digna dos melhores "whodunnits" escritos por Agatha Christie e dirigidos por Alfred Hitchcock.

Tal como a vida é feita de reviravoltas e ironias, a trama roteirizada por Johnson começa com uma tamanha contradição: na manhã seguinte à comemoração do seu aniversário de 85 anos, o escritor  best-seller de suspenses policiais Harlan Thrombey (Christopher Plummer) é encontrado morto num quarto de sua mansão que bem poderia sediar um romance de Christie ou até mesmo de Stephen King, apesar de não haver nada de sobrenatural por aqui a não ser o fato de que muitos familiares de duas gerações também residem ali sem contestações do patriarca, ainda que sempre estiveram de olho no que o testamento do velho poderia lhes reservar de heranças fartas. Com tantos potenciais assassinos, a família inclina a atenção da polícia para os empregados da casa, sobretudo Marta Cabrera (Ana de Armas), a prestativa enfermeira imigrante que ganhou a amizade de Thrombey e que pode estar diretamente inclinada aos acontecimentos da noite do crime. No entanto, entre tantos relatos incompletos e divergentes, senão esquivos, as circunstâncias parecem não bater para o pomposo detetive Benoit Blanc (Daniel Craig, ótimo!) que, apesar de um jeitão talvez atrapalhado, pode estar à frente da resolução do crime e esperando os ânimos se exaltarem naquela cobiçosa família.

(© Lionsgate Publicity/Divulgação)

Extraindo performances primorosas de seu elenco estelar que inclui Jamie Lee Curtis, Don Johnson, Toni Collette, Michael Shannon, Chris Evans, LaKeith Stanfield e até mesmo Frank Oz, é auspicioso perceber como Rian Johnson encena os depoimentos dos integrantes da família sempre com uma atenção aos detalhes (até porque estamos no campo do suspense, não é mesmo?) que, vez ou outra, podem comprometer as informações verbais que corroboram ou contradizem os demais relatos e dificultando a investigação. Se a causa mortis não tarda em ser revelada, eis que a divulgação do testamento e a corrida para saber quem, afinal, levou o velho Thrombey à morte acaba agitando as coisas na cidade em outra série de erros que, se por um lado atrapalham os personagens, nos divertem à beça.

(© Lionsgate Publicity/Divulgação)

Assim, por mais que a fotografia de Steve Yedlin (também de Star Wars: Os Últimos Jedi) aproveite o difusor natural dos arredores nublados das cenas para deixar o clima da narrativa sombrio e com cores contrastadas nos ambientes internos, Knives Out se faz bastante bem humorado. Na crítica paralela aos costumes dos americanos brancos boomers e millennials, Johnson se empolga em seu texto repleto de artimanhas e gags pontuais impagáveis, comprovando o talento de Ana de Armas além de Blade Runner 2049 enquanto Daniel Craig e Chris Evans agradecem a oportunidade de representar papéis multifacetados ao passo em que descansam de seus icônicos papéis de franquias multimilionárias.

Afiado em seu exercício de gênero e na edição bem ritmada de Bob Ducsay, com todas as suas evidências, Entre Facas e Segredos já pode ser considerado como uma das melhores surpresas de 2019 especialmente quando prova que grandes contos detetivescos podem se desapegar do passado sem depender do exotismo de outrora, beldades sedutoras e até de bigodes proeminentes para proporcionar um tão envolvente quanto absurdo mistério.




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