quarta-feira, 30 de outubro de 2019

A Odisseia dos Tontos | CRÍTICA


Recordar é viver. Coincidentemente estreando no Brasil passada a recente eleição presidencial na Argentina, além de integrar a programação da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e ser o longa recordista de público nas terras portenhas, A Odisseia dos Tontos é um filme de roubo muito que à moda americana a julgar pela sua narrativa dinâmica conduzida por um protagonista famoso e carismático a ponto de ser dificílimo discordar das ações de seu coletivo. No entanto, é entre a descontração típica do gênero que a película encontra brechas para demonstrar a força que as gerações argentinas têm para alterar tempos de desesperança com persistente bom humor.


Inspirado no livro "La Noche de la Usina" escrito por Eduardo Sacheri, que divide a autoria do roteiro com o diretor Sebastián Borensztein (Um Conto Chinês), a trama circunda Fermín Perlassi (Ricardo Darín), um então jogador de futebol que muito trouxe alegria para a sua cidadezinha no interior argentino e que, agora em sua meia-idade e gerenciando um posto de gasolina, quer afugentar o esquecimento da praça tornando-se um empreendedor do ramo agrícola, indo ao encontro de amigos com algum poder aquisitivo a fim de adquirir um galpão há tempos abandonado. Fermín e companheiros só não contavam com a aplicação do corralito (similar ao Plano Collor) imposto pelo então presidente Fernando de la Rua em 2001, vetando, então, o sonho de dar empregos à gente local enquanto gerentes de bancos e advogados tramavam seus próprios golpes financeiros.

(© Warner Bros Pictures/Divulgação)

Época de recessão, de filhos universitários regressando aos lares para ajudar na economia familiar e de gente considerando meios alternativos para driblar os apertos, Fermín conta com seus sócios para reaver o que lhes é seu por direito (e mais um pouco, com sorte) na vingança contra o inescrupuloso doutor Fortunato Manzi (Andrés Parra, caricato, mas sem deixar de ser perigoso), o que rende um plano engenhoso que se faz divertido de acompanhar ao longo da projeção. Trazendo um elenco de veteranos como Rita Cortese e Luis Brandoni, a narrativa também se dedica a uma vertente mais dramática a considerar os casos de tragédias impulsionados pelo corralito, ainda que não se façam de motivações primordiais aos personagens.

Na corrida pela candidatura ao Oscar de Melhor Filme Internacional, Borensztein apela para uma decupagem americanizada visível nos planos de ambientação rodados com grua ora na inserção de planos de detalhes que não se fazem gratuitos – tudo é bem conduzido e há um propósito narrativo, embora a narração e alguns incidentes acarretem numa didática mastigada do que deveria, presumindo o tempo de projeção. Do flerte com cenas pós-créditos e uma trilha sonora modernizada que evoca uma espécie de Breaking Bad, há a lúcida referência ao estratagema do personagem de Peter O'Toole em Como Roubar um Milhão de Dólares.

(© Warner Bros Pictures/Divulgação)

Satisfatória como uma película argentina tem o costume de ser, A Odisseia dos Tontos (La Odisea de los Giles, no original) promove mais um bem-vindo encontro de Ricardo com Chino Darín (seu filho tanto dentro como fora das telas) enquanto o jovem ator auxilia no interesse do público mais novo (e conterrâneo) a conhecer uma história que, todavia lamente seus atos regressos, acerta em rir de si mesma.



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