sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

O Rei do Show | CRÍTICA


Na intenção de adaptar a vida de personagens reais para a ficção, muitos dos pormenores de suas histórias são omitidos em prol de um andamento e de um teor ideais para suas respectivas narrativas ou, mais precisamente, qualquer detalhe que venha a contrariar os inspirados – ou quase imaculados – retratos que dramaturgos, roteiristas e cineastas geralmente buscam apresentar em seus meios para um melhor contento de suas audiências. Com O Rei do Show, isso não poderia ser diferente e, à parte de sua trama alheia aos cruciais eventos da época e da real índole do seu personagem em questão, definitivamente prova que 2017 foi um ótimo ano para a retomada do gosto popular por musicais.

Muito antes do firmamento dos vaudevilles, dos nickelodeons ou do próprio cinema como atração circense na virada para o século XX, conta-se que foi um tal de Phineas Taylor Barnum o grande inventor do que chamam de "entretenimento para as massas", exibindo animais empalhados, anões, mulheres barbadas, trapezistas, tatuados e qualquer outra pessoa com um mínimo de propensão artística e incondizente com o perfil de cidadão branco norte-americano que, por sua vez, já se revelava conservador até demais. Com Hugh Jackman representando uma versão bona fide de P.T. Barnum, o roteiro de Jenny Bicks e Bill Condon (diretor de A Bela e A Fera e roteirista dos musicais Dreamgirls: Em Busca do Sonho e Chicago) traça uma narrativa previsível do empresário que, de uma infância pobre e morrendo de amores pela garota que viria a ser sua futura esposa, Charity (Michelle Williams), passa a ganhar notoriedade a duras penas em Nova York, figurando-o sempre como um pai de família merecedor do seu êxito, apesar de seu egocentrismo latente. Facilmente se presume também que a gama de peculiaridades do museu vai atrair o preconceito de reacionários violentos e que, a uma certa altura, Barnum colocará tudo a perder; nisso, questões sociais e o aprofundamento em personagens secundários são deixados de lado uma vez que tudo aqui (até mesmo uma relativa higienização da cidade) gira em torno de sua musicalidade, logo, o que há de melhor no longa.


Valendo-se do talento dos compositores Benj Pasek e Justin Paul (oscarizados por La La Land) na criação de músicas com mensagens comumente esperançosas e de roupagem bastante contemporânea típica dos musicais de Baz Luhrmann (série The Get Down, O Grande Gatsby, AustráliaMoulin Rouge!) e com uma sonoridade bastante próxima ao ritmo contagiante cravado por Michael Jackson, o diretor estreante Michael Gracey procura tornar O Rei do Show em uma experiência quase onírica, replicando o estilo extravagante dos antigos musicais sempre com símbolos emblemáticos (a vista do escritório onde Barnum trabalhava para um cemitério dividindo uma semelhante paleta de cores; o terraço com lençóis brancos estendidos e esvoaçando diante de um horizonte estrelado), além de toda a burlesque que toma conta do palco do circo com cores e figurinos majestosos. Ademais, a entrada de Zendaya (Homem-Aranha: De Volta Ao Lar), Zac Efron e Rebecca Ferguson reforçam a beleza e o tom romântico do filme, mas, tirando o fato de os dois primeiros serem mais familiarizados com musicais, as tragédias amorosas que representam são meros interlúdios na jornada de Barnum. A impressão que fica é que o longa é um compilado de músicas interligadas por segmentos dramáticos que, no final das contas, poderiam ser melhores caso recebessem a mesma dedicação voltada às boas canções, como as enérgicas "Come Alive" e "From Now On".


Montado por seis editores, dentre eles Tom Cross (oscarizado por Whiplash), Robert Duffy (veterano editor de videoclipes de artistas como Madonna e Michael Jackson), Joe Hitshing (Metallica: Through The Never) e Michael McCusker (Logan, Austrália, Johnny & June), O Rei do Show (The Greatest Showman, no original) não poderia ser mais voltado ao clima familiar de sua data de lançamento nos cinemas e do agrado do grande público, daquele que não se contém em aplaudir e vibrar em um grande espetáculo, ainda mais quando Hugh Jackman exibe um carisma enorme e confortável o suficiente para nos fazer esquecer da esquisitice feita por Tom Hooper em Os Miseráveis. É, certamente, um entretenimento bonito graças aos seus talentosos artistas envolvidos e às manobras da ficção ao omitir o seu paradoxo com os recentes escândalos dos figurões de Hollywood que, assim como o verdadeiro Barnum, nem sempre levaram as artes com respeito e seriedade.




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