Harry Dean Stanton foi, na maioria de seus tantos papéis em mais de sessenta anos de carreira, o típico sujeito pacato designado a ficar em segundo plano até que cineastas de renome como Ridley Scott (Alien: O 8º Passageiro) e John Carpenter (Christine, O Carro Violento) passaram a ver um potencial no ator que só mesmo o alemão Wim Wenders aproveitaria por completo no cultuado Paris, Texas, em 1984, imortalizando de vez o semblante melancólico e silencioso de Stanton que, do deserto texano à costa oeste californiana, surgia com uma força expressiva maior do que qualquer discurso verbal marcante. De lá pra cá, o ator firmou parcerias com outros diretores e se manteve atuante, lúcido e sempre com um cigarrinho na boca até falecer aos 91 anos no dia 15 de setembro, o que, agora, faz de Lucky uma boa e singela homenagem póstuma a um dos homens mais humildes do cinema americano.
Dirigido por John Carroll Lynch (ator conhecido por seus personagens em Fargo, A Ilha do Medo e Fome de Poder) a partir do roteiro dos estreantes Logan Sparks e Drago Sumonja, o filme confere as mais diversas interpretações para o seu título desde o início de sua projeção e que tendem a ser trabalhadas durante a narrativa, tanto em seu sentido figurado como no real: Stanton é Lucky, um veterano da Marinha que serviu em missões no Oceano Pacífico e que os caminhos da vida lhe guardaram um cantinho para viver na árida região do Meio-Oeste americano, afortunado pela longevidade, benquisto pela vizinhança e prático por dispensar hábitos luxuosos – Lucky só quer saber de seguir sua rotina de higienização e praticar ioga, tomar seu copo de leite, ir para a cafeteria local e quebrar a cabeça com as cruzadinhas no jornal, voltando para casa a tempo de não perder os programas bregas de jogos da sorte na TV. Até mesmo quando Lucky desmaia, o laudo do médico não poderia ser mais positivo: apesar do cigarro, a saúde do velho homem está ótima, só que lhe parece o exato momento em que o peso da idade lhe dá um baque a ponto de questionar o que é a realidade e, a partir daí, romper com os paradigmas da rotina nesse que se entende ser o limiar de sua vida.
Dos papos brejeiros e furados nos balcões da cafeteria, do mercadinho ou do bar a noite com os amigos mais velhos ou ainda cantar uma música mariachi a plenos pulmões, Lucky faz uma celebração da vida enquanto se permite refletir sobre perdas e abnegações frisando que ser idoso não significa tocar seu tempo restante à base da rabugice para com os outros, principalmente aqueles mais jovens e de outras etnias. Assim, Carroll Lynch nos guia nos passos de Lucky pela cidadezinha descobrindo uma coisa nova aqui e acolá sempre com bom humor, coisa que aumenta com a ótima participação de David Lynch e a perplexa busca de seu personagem por um cágado de estimação tão velho quanto o protagonista e que decidiu, diz-se, tomar um rumo próprio. Sem firulas na sua estética na composição dos planos, apesar de picotá-los além do necessário, o diretor faz uma boa estreia no cargo e é visível que o elenco, tanto os veteranos (que inclui a presença de Tom Skerritt, que contracenou com Stanton em Alien) quanto os mais jovens, se sente à vontade enquanto existe um flerte com a fantasia bucólica dentro dos limites.
Divertido pelo seu evidente tom semibiográfico e complementar ao arco observativo e espiritual do ator na terceira temporada de Twin Peaks, Lucky é recomendado para todos aqueles que sempre nutriram simpatia por Harry Dean Stanton que, certamente, diria que partiu cedo demais.
Dirigido por John Carroll Lynch (ator conhecido por seus personagens em Fargo, A Ilha do Medo e Fome de Poder) a partir do roteiro dos estreantes Logan Sparks e Drago Sumonja, o filme confere as mais diversas interpretações para o seu título desde o início de sua projeção e que tendem a ser trabalhadas durante a narrativa, tanto em seu sentido figurado como no real: Stanton é Lucky, um veterano da Marinha que serviu em missões no Oceano Pacífico e que os caminhos da vida lhe guardaram um cantinho para viver na árida região do Meio-Oeste americano, afortunado pela longevidade, benquisto pela vizinhança e prático por dispensar hábitos luxuosos – Lucky só quer saber de seguir sua rotina de higienização e praticar ioga, tomar seu copo de leite, ir para a cafeteria local e quebrar a cabeça com as cruzadinhas no jornal, voltando para casa a tempo de não perder os programas bregas de jogos da sorte na TV. Até mesmo quando Lucky desmaia, o laudo do médico não poderia ser mais positivo: apesar do cigarro, a saúde do velho homem está ótima, só que lhe parece o exato momento em que o peso da idade lhe dá um baque a ponto de questionar o que é a realidade e, a partir daí, romper com os paradigmas da rotina nesse que se entende ser o limiar de sua vida.
Dos papos brejeiros e furados nos balcões da cafeteria, do mercadinho ou do bar a noite com os amigos mais velhos ou ainda cantar uma música mariachi a plenos pulmões, Lucky faz uma celebração da vida enquanto se permite refletir sobre perdas e abnegações frisando que ser idoso não significa tocar seu tempo restante à base da rabugice para com os outros, principalmente aqueles mais jovens e de outras etnias. Assim, Carroll Lynch nos guia nos passos de Lucky pela cidadezinha descobrindo uma coisa nova aqui e acolá sempre com bom humor, coisa que aumenta com a ótima participação de David Lynch e a perplexa busca de seu personagem por um cágado de estimação tão velho quanto o protagonista e que decidiu, diz-se, tomar um rumo próprio. Sem firulas na sua estética na composição dos planos, apesar de picotá-los além do necessário, o diretor faz uma boa estreia no cargo e é visível que o elenco, tanto os veteranos (que inclui a presença de Tom Skerritt, que contracenou com Stanton em Alien) quanto os mais jovens, se sente à vontade enquanto existe um flerte com a fantasia bucólica dentro dos limites.
Divertido pelo seu evidente tom semibiográfico e complementar ao arco observativo e espiritual do ator na terceira temporada de Twin Peaks, Lucky é recomendado para todos aqueles que sempre nutriram simpatia por Harry Dean Stanton que, certamente, diria que partiu cedo demais.
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