sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Arábia | CRÍTICA


Após ter faturado prêmios em festivais voltados ao cinema independente na Europa, na Argentina e ser condecorado como o Melhor Filme da última edição do Festival de Brasília, Arábia marcou a estreia do Festival de Cinema da Bienal de Curitiba com a responsabilidade de sintetizar o que anda em evidência na atual filmografia brasileira ou, pelo menos, em uma considerável parcela desta: um retrato introspectivo que dá voz e cores ao subúrbio em tempos onde políticas recessivas pretendem, acima de tudo, retirar o que lhe é de direito. Em uma narrativa predominantemente verbalizada, o que se vê aqui é um reflexivo road movie sobre um brasileiro que, como muitos, carece do poder de escolha a não ser abraçar o que encontra e, assim, ter a chance e uma motivação para amar alguém. 

Escrito e dirigido por Affonso Uchôa e João Dumans, Arábia concentra-se no retrato de André, um adolescente pacato que precisa cuidar do enfermiço irmão mais novo uma vez que os pais vivem viajando a trabalho e, consequentemente, acaba lhes faltando mantimentos e remédios, a não ser quando sua tia lhes confere visitas esporádicas, porém atenciosas. Moradores da Vila Operária, a tia concede o mesmo tratamento como enfermeira às pessoas idosas e não hesita em oferecer carona para Cristiano (Aristides de Sousa) um operário metalúrgico que muitos diriam ser simplório demais, mas que, em sua solidão, passou a transcrever os anos de sua vida em um caderno revelando sua labuta desmerecida, as tantas cidades e pessoas com quem conviveu, situações e uma paixão que ele nunca conseguiu esquecer. No entanto, o vazio existencial parece consumir Cristiano, incerto e deprimido em saber que a felicidade não chega para todos.

Em uma plausível evolução cinematográfica desde o mundano A Vizinhança do Tigre, Uchôa e Dumans aplicam um estilo de direção sem lá tantas intervenções cênicas favorecendo o naturalismo da fotografia, assinada por Leonardo Feliciano que bem aproveita a geografia mineira como prefere enquadrar os personagens sempre à penumbra, reforçando sua situação em quadros cujo contraste (mesmo com poucos pontos de luz) é digno de nota. A narração de Cristiano é instigante, mas a falta de coloquialismo nos diálogos de personagens denota passagens que soam mais como textos decorados do que uma fala legitimamente interpretada pelo próprio povo representado, descrente que seja merecedor de uma transcendência, afinal, como diz o menino Marcos para o irmão, é mais fácil acreditar no Diabo do que em Deus mediante tantas coisas ruins. Por fim, ao som de muita música cantada com paixão ao violão, vejo que esta jornada apresentada em Arábia remete vagamente ao iraniano Gosto de Cereja (do saudoso Abbas Kiarostami); uma inspiração retirada das amistosas conversas com gente humilde de esperança agridoce, tal como, por aqui, é o gosto de mixirica.



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