sábado, 27 de novembro de 2021

ANNETTE – o espetáculo está acima da realidade | CRÍTICA


Annette conta a história de Henry (Adam Driver), um comediante de stand-up que desafia limites, e Ann (Marion Cotillard), uma cantora mundialmente famosa. Na ribalta, são o casal perfeito, saudáveis, felizes e charmosos. O nascimento da sua primeira filha, Annette, com uma característica especial que soa até cômica de tão bizarra.

A união de um casal de artistas com obras tão distintas, um ligado ao escárnio e a outra ligada ao que se diz uma arte nobre. Uma das primeiras falas de Henry diz que ele alcançou a fama ao ser infame, já Ann é o ideal de perfeição, jamais deixando de parecer alguém que transcende os limites estéticos.

Adam Driver em ANNETTE
(© Amazon Studios/Divulgação)



Ao juntar artistas de espetáculos tão diferentes, o diretor Leos Carax, propõe uma espetacularização dos dramas pessoais de cada um. Se, em seu último trabalho (Holly Motors, 2012), o diretor buscava mostrar a farsa que é a vida de um ator multifacetado, aqui ele abraça ainda mais o lúdico, ao tornar esse musical uma viagem pela mente de um provocador.

Diferente de um musical tradicional, Annette traz músicas muito mais narrativas do que acontece em tela do que propriamente uma série de números musicais, fazendo com que nenhuma música realmente fique na cabeça além da primeira, que traz diretor, a banda Sparks e os protagonistas vivendo si mesmos e cantando que estão prestes a iniciar algo especial. Toda a cara de um início de espetáculo teatral, onde o lúdico sobrepõe-se ao real e a atenção do público está no que é contado. Diferente do cinema, no teatro abre possibilidades de interpretação e o espectador precisa se despir de amarras do real para funcionar. É o lugar onde uma caixa pode ser um carro e se você não acreditar, o problema é seu.

Annette é exatamente isso: se você não embarcar, vai acabar achando uma baboseira sem sentido.

(© Amazon Studios/Divulgação)


Carax não está interessado em representar verossimilhança ou algo palpável, mas sim expressar sentimentos através da imagem. Isso pode deixar muitos espectadores perdidos na busca pelo sentido factível de suas escolhas narrativas. Talvez Carax seja a maior referência de lirismo cinematográfico para todo cinéfilo que busca sair do circuito de Hollywood.

(© MUBI/Divulgação)


É aqui que o filme encontra seus pontos mais altos e mais baixos. Os elementos de cena são o ponto de destaque, enquanto o ritmo e as músicas são o mais baixo, porém trazem algo de diferente de tudo que é produzido em uma época tão pasteurizada da arte, onde há quem diga que certos filmes nem são mesmo cinema, pois se enquadram em formatos pré-estabelecidos em prol de atingir uma nota de corte mínima. No cinema ou na arte em geral o que há de pior é o medíocre, pois ali nenhum risco foi tomado.

Carax pode errar na mão, tornar uma experiência quase intragável para boa parte dos espectadores, porém, é nisso que se encontra o maior mérito de seu cinema, o risco. Ele já entrou em autoexílio anteriormente por não atingir sucesso de público necessário, ao mesmo tempo em que sempre foi cultuado.

A discussão em torno de Annette dificilmente vai fugir dos que amaram ou odiaram, porque é realmente um filme divisivo, de difícil tato, o famoso filme que “não é para todo mundo”, porém longe de ser uma obra que cobra elitismo intelectual de seus espectadores, ele pede apenas que você se dispa do factível para que possa encontrar uma brecha de contar a tragédia de um artista.

(© Amazon Studios/Divulgação)


A performance de Adam Driver é primordial para que não haja uma completa desconexão ao longo da metragem. Se não fosse um rosto conhecido provavelmente esse filme seria ainda mais restritivo do que já é.

Como comentei algumas vezes com alguns amigos, o cinema não é resultadista, onde os que se destacam são os que jogam com o regulamento embaixo do braço. Ao ter isso na cabeça é possível se entender qualquer tipo de arte moderna e porque um quadro que você mesmo poderia ter feito não é só um conjunto de rabiscos. Picasso disse uma vez que “quando eu tinha 15 anos sabia desenhar como Rafael, mas precisei de uma vida inteira para aprender a desenhar como as crianças”. Talvez o grande barato do espetáculo proposto por Leos Carax seja se despir da maturidade e aproveitar um filme com uma mente lúdica de criança.

(© MUBI/Divulgação)



Definitivamente, Annette cumpre o papel de ser marcante, para qualquer opinião, seja favorável ou não, porque exige, por pouco mais de duas horas, que deixemos a razão, coisa que sempre nos foi ensinada. Para este que vos escreve a experiência foi muito boa, talvez uma das melhores do ano.

Carax é daqueles nomes que geram um paradoxo, onde queremos que ele lance mais filmes, porém o fato de ter poucos projetos talvez seja o que o torna tão especial.





Annette foi premiado como melhor direção no Festival de Cannes e está disponível na plataforma MUBI.

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