A masculinidade heteronormativa é um caso estranho. Entre constantes necessidades de autoafirmação, recorre-se a qualquer coisa, roupa, ato, profissão para reforçar o gesto de macho – e há quem tenha acreditado que votar em um certo candidato anos atrás também contribuiria nessa imagem. Mas um homem quando está apaixonado é capaz de desmoronar e deixar todas essas poses de lado para conseguir o que quer, algo que Deserto Particular se debruça em mostrar os homens hesitantes do Sul ao Nordeste do país.
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(© Pandora Filmes/Divulgação) |
Enquanto uma narrativa de redescobertas, Deserto Particular nos agracia também com a jornada de Robson (Pedro Fasanaro), um rapaz de personalidade radiante justamente pela forma como enxerga a vida. Ele não se queixa de descarregar sacos de frutas e legumes debaixo do sol de Sobradinho e Juazeiro, tem no cabeleireiro Fernando (Thomas Aquino, série Manhãs de Setembro, Bacurau) o seu melhor confidente e ainda se mostra zeloso com a avó ao acompanhá-la nos cultos evangélicos. Aliás, é curioso notar como Muritiba tem o costume de inserir igrejas neopentecostais em seus filmes (vide Para Minha Amada Morta) em sua dualidade que evidencia a salvação para uns, mas que também não deixa de ser um purgatório antecipado para outros. Aqui, não poderia ser diferente e se torna um antagonista para Robson, entre tantos que o garoto vem a ter quanto a sua identidade.
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(© Pandora Filmes/Divulgação) |
Ganhador do prêmio do público no Festival de Veneza, Deserto Particular tem na direção de fotografia de Luis Armando Arteaga (As Herdeiras) outro destaque. Todavia a produção recorra ao hábito de compor os cenários curitibanos em tons frios, o calor baiano ganha um contraste forte e é provável que a cena na barca para Petrolina com o Rio São Francisco refletindo o por-do-sol seja um dos momentos mais bonitos do longa entre pares de cenas com locações deslumbrantes e diálogos inspirados, contando com a trilha sonora sutil de Felipe Ayres.
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Cena diante da represa do Rio São Francisco reserva um dos momentos mais sublimes entre Daniel e Robson. (© Pandora Filmes/Divulgação) |
Para quem espera um drama de intensidades, há de assistir a um conto introspectivo que, inegavelmente, recorda as ilustres filmografias de Karim Aïnouz e de Marcelo Gomes, seja pelo perfil comum de personagens, pelas locações e até pela divertida seleção de músicas bregas, todavia sem a mesma paixão ardente característica – quiçá os protagonistas se permitissem se conhecer sem recorrer a autodestruição para que desencadeasse isso. Ainda assim, para um ensaio sobre a desconstrução do macho tradicional e de todo o imediatismo líquido em relacionamentos (o excesso de mensagens para Sara cobrando atenção pontual da mesma, por exemplo), há muito em consideração aqui e a refletir. O que está em jogo em Deserto Particular é o fato de que, agora ou talvez amanhã, é possível deixar as antigas convenções definharem para se permitir amar a quem justamente lhe faz bem.
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