sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Infiltrado na Klan | CRÍTICA


A década é de 1970 e Ron Stallworth, negro, decide se incorporar ao que era (ou talvez ainda seja) uma das instituições mais conservadoras e brancas dos Estados Unidos: a polícia do Colorado. Relegado inicialmente ao almoxarifado e a uma ou outra piadinha racista, Stallworth almeja a posição de detetive, mas, antes disso, precisa superar a inferioridade que lhe foi imposta e encontra sua grande chance estampada entre os anúncios de um jornal: com nome e telefone, um convite para a Ku Klux Klan.

Inspirado no livro escrito pelo próprio Ron Stallworth e roteirizado por quatro pares de mãos sagazes, Infiltrado na Klan demonstra um Spike Lee em mais do que plena forma como diretor e corroteirista ao provar que sabe fazer mais do que uma fita ativista, mas um cinema necessariamente pensante. De um mero buddy cop film co-estrelado por John David Washington como Stallworth e Adam Driver vivendo o colega de investigação, o judeu Flip Zimmermann, Lee mistura vários gêneros para contar essa história repleta de absurdos que, se por um lado dá várias deixas a boas risadas, invoca a reconsideração de fatos que não fica restrita no campo da imagem projetada na tela. A cada inferência proferida por um personagem de ambos os lados dessa trama, maior a impressão de que qualquer semelhança coincide com a realidade, não só a que tange os Estados Unidos, como acaba ecoando no recente contexto sociopolítico brasileiro.

Universal Pictures/Divulgação)

Ao passo em que a missão de Stallworth/Zimmermann consegue infiltrá-los cada vez mais no antro de seguidores da KKK presidida por David Duke (Topher Grace) enquanto a ativista interpretada por Laura Harrier (Homem-Aranha: De Volta ao Lar) pretende sair do meio acadêmico para chegar às ruas, BlacKkKlansman (no original) não só faz uma ode à negritude e o clamor por direitos iguais a todos como aponta um retrato dos tipos que acatam o discurso pomposo e reacionário de Duke (que, por sua vez, demonstrou apoio a Bolsonaro). No grupo representado em cena, tratam-se de pessoas que acreditam que o Holocausto foi uma farsa e que colocam sua dita "supremacia branca" acima de sua situação marginal, além de problemas conjugais e (por que não) de uma carência de saúde ou intelecto compensada por atos de violência.

Universal Pictures/Divulgação)

No entanto, o que mais fascina no longa é como Spike Lee trata de revisar a História do Cinema apontando seus momentos descaradamente segregacionistas. Seja pela hilária introdução farsesca por Alec Baldwin, pelo longo plano em grua de …E O Vento Levou culminando em uma bandeira confederada ou pelo regozijo dos KKK ao assistirem a'O Nascimento de Uma Nação de D.W. Griffith, pai da montagem paralela, Lee se aproveita da mesma técnica não só para aprimorar os devidos momentos de ação e suspense de sua obra, mas por juntar o passado encenado com imagens de arquivo e o impacto discurso "isentão" de Donald Trump sobre os ataques de Charlottesville. 

Envolvente, elucidativo e atônito quando convém, Infiltrado Na Klan é, independente de sua láurea do Prêmio do Júri no Festival de Cannes, um dos grandes filmes de 2018 – mas será que a resistência precisa se fazer armada?




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