quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald | CRÍTICA


Em 2016, Animais Fantásticos e Onde Habitam projetou um bem-vindo resgate de todo aquele encanto jocoso em ver a magia dominando a tela com feitiços e personagens tão marcantes quanto aquelas das aventuras do "Menino Que Sobreviveu". Contudo, em Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald, tempos sombrios se aproximam de forma semelhante como no decorrer dos oito filmes de Harry Potter enquanto J.K. Rowling arrisca ao apresentar uma trama mais intrincada do que o necessário e não resistindo em ser refém da nostalgia de seu célebre universo.

Tendo como abertura uma empolgante sequência envolvendo uma audaciosa fuga do antagonista-título e, claro, com direito a ótimos efeitos visuais (fica a dica: é melhor em IMAX 3D!), Os Crimes de Grindelwald é um filme mais direcionado a agradar os fãs de longa data do Mundo Bruxo ao lhes transportar para cenários pra lá de conhecidos ao passo em que não se esquece de expandir seu fabuloso universo tão repleto de detalhes minuciosos e, agora, com dramas familiares de sobra. Assim, saímos do Edifício Woolworth em Nova York para as instalações subterrâneas do Ministério da Magia britânico e, de lá, acompanhamos Newt Scamander (Eddie Redmayne) pelas ruas de Londres, reencontrando com um jovem Professor Alvo Dumbledore (Jude Law) que, por sua vez, nos reserva uma irresistível visita pela Hogwarts de 1927.

O chinês zouwu é um dos animais fantásticos de destaque no filme (© Warner Bros. Pictures/Divulgação)

No entanto, estas idas e vindas são apenas uma parcela da vastidão narrativa que a autora propõe aqui, o que, consequentemente, torna este um dos filmes mais exaustivos entre os demais títulos da franquia ao ter um texto tão inflado com subtramas crescentes e ações resolvidas por discursos expositivos que acabam ofuscando boa parte da ação. Quisera focar em uma expedição francesa de Newt em busca de criaturas (como, de fato, acontece com o zouwu chinês acorrentado), Rowling converge as atenções de todos os núcleos sobre o atormentado Credence (Ezra Miller) e o quanto seu poder repreendido na forma do Obscurus representa uma ameaça para uns – e um forte catalisador para uma revolução "por um bem maior", como entende o persuasivo co-protagonista e vilão Gellert Grindelwald (Johnny Depp, enfim dedicado).

Ao fundo, Leta Lestrange (Zoë Kravitz) e Grindelwald (Johnny Depp) em destaque (© Warner Bros. Pictures/Divulgação)

Enquanto personagens têm dilemas amorosos e nutrem consequências por isso, o rapaz órfão segue pistas atrás de sua verdadeira origem mágica e a autora abusa do recurso da coincidência ao interligar o suposto novo protagonista até mesmo com Leta Lestrange (Zoë Kravitz), que surpreende ao romper com os pressupostos gerados por seu infame sobrenome e demonstra ser uma moça sensitiva – e dona dos flashbacks mais novelísticos e intrigantes da obra.

Diretor de soluções imagéticas criativas e de habitual bom ritmo, David Yates retorna em sua sexta colaboração no Mundo Bruxo resgatando sua movimentação de câmera elegante em boa parceria com o diretor de fotografia Philippe Rousselot, apresentando uma França quase que monocromática quando Scamander e suas criaturas estão fora de cena. Na intenção de trazer alguma novidade em sua decupagem tipicamente clássica, Yates arrisca em fazer planos subjetivos em 1ª pessoa com os atores olhando diretamente para a câmera, mas a impressão é ocasionalmente estranha, desconfortável, sobretudo no caso da relação de Queenie (Alison Sudol) e um Jacob (Dan Fogler) apaixonado.

Brontis Jodorowsky como Nicolau Flamel e Dan Fogler como Jacob (© Warner Bros Pictures/Divulgação)

Afora tais ressalvas, felizmente, o saldo é positivo: toda a vez que Newt assume a dianteira com Jacob e seu cleptomaníaco Pelúcio, Os Crimes de Grindelwald retoma o fôlego e o sorriso no rosto do espectador provendo os momentos mais divertidos da trama. O designer de produção Stuart Craig não se dá por vencido e entrega cenários dignamente fabulosos ao prover distinção para o Ministério da Magia francês, sem contar a formidável reconstituição do Père-Lachaise e a tortuosa casa de Nicolau Flamel (Brontis Jodorowsky) – nisso, arrisco dizer que há uma considerável influência no Expressionismo Alemão aqui, vide os cenários de O Gabinete do Dr. Calegari. A oscarizada Colleen Atwood, por sua vez, tece figurinos mais soturnos de corte tão elegante quanto, sem perder a oportunidade de criar o que talvez sejam os uniformes mais bonitos que Hogwarts já teve.

Prof. Alvo Dumbledore (Jude Law) ensina um jovem Newt Scamander em flashback de Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald Warner Bros. Pictures/Divulgação)

Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald pode, enfim, se tratar de um filme intermediário "enfraquecido" por ter que firmar um terreno para sequências que terão o "épico" como inevitável adjetivo, mas J.K. Rowling é digna de admiração ao instigar seu público a reler sua bibliografia em busca de quaisquer pistas sobre seu desfecho polêmico e, acima de tudo, por acertar em cheio ao constituir uma motivação crível para Grindelwald (e até mais inteligente daquele proposto por Voldemort), ainda mais quando surge como analogia a líderes políticos contemporâneos que se afirmam isentos de responsabilidade sobre atos instigados por seus próprios discursos reacionários. De fato, são tempos difíceis e sombrios que só mesmo a fantasia é capaz de prover uma mágica resiliência.



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