terça-feira, 1 de outubro de 2024

CORINGA: DELÍRIO A DOIS – desperdício multiplicado | CRÍTICA

Joaquin Phoenix e Lady Gaga em CORINGA: DELÍRIO À DOIS.  © 2024 Warner Bros. Entertainment Inc. All Rights Reserved. Foto: Niko Tavernise


Há quem tenha visto em Coringa (passada toda a euforia super-heróica de Vingadores: Ultimato em contraste com os solavancos dos filmes da DC) uma verdadeira iguaria ao acompanhar uma narrativa melancólica carregada pela performance soberba de Joaquin Phoenix como um dos vilões mais ardilosos da cultura pop em seu retrato muito do patológico. Para tantas possibilidades de sequência (considerando sua fonte riquíssima de histórias) mediante o sucesso de público, crítica e premiações, é uma pena que o oportunismo e a petulância do diretor Todd Phillips pesem ainda mais e conduzam Coringa: Delírio a Dois a uma jornada entediante e reticente em assumir as suas pretensas roupagens.


Ele tinha a aclamação prévia, o povo empolgado e também a chegada da multi-artista que é Lady Gaga para contracenar com Phoenix como Harley "Lee" Quinzel, mas a impressão que se tem é que Phillips, junto de seu corroteirista Scott Silver, ficam zanzando pelo Presídio Arkham e por Gotham City sem ter muito a fazer com a jornada de Arthur Fleck/Coringa a não ser introduzi-lo a um interesse romântico (correspondido, enfim?) e levá-lo a extensas e redundantes sessões no tribunal com acusações que, convenhamos, são mais do que incontestáveis. Custava, entretanto, ousar uma brecha para uma cumplicidade crível aí?


(© Warner Bros. Entertainment/Divulgação)

Por mais que seja interessante ver o comportamento de Fleck em cárcere e, daí, a sua proximidade crescente com Lee (Gaga) e as performances inflamadas diante do júri, volta o vício irritante de Phillips em querer sugerir que uma ou outra sequência em questão possa ser apenas um devaneio do protagonista sem ao menos propor algo genuinamente novo ao personagem. Ao longo da sessão, inclusive, fiquei imaginando que seria ali na prisão que este Coringa passaria a construir boas piadas (a escalação de Brendan Gleeson era um indicativo) e/ou começar a sua escalada como estrategista do crime como era de se esperar. 


Joaquin Phoenix em CORINGA: DELÍRIO À DOIS
(© Warner Bros. Entertainment/Divulgação)

Muito pelo contrário. O vilão entra mudo, fala um pouco, dá as risadas, canta e segue calado, como se consciente da repercussão duvidosa que o primeiro filme levantou entre um público reacionário que, paralelamente, segue idolatrando figuras políticas da mesma estirpe (ou pior?). Em um provável mea culpa, Phillips parece evitar que o personagem seja consagrado como um "agente do caos" e, assim, inflamar um cenário que já está em meio a pólvora.


Há bem menos Harley Quinn do que gostaríamos de ver. (© Warner Bros. Entertainment/Divulgação)


Até os números musicais, que tinham tudo pra ser o chamariz da obra como anunciado, se tornam supérfluos em meio a narrativa conflituosa. Inicialmente compreensíveis em meio a diálogos, assim reforçando a química muito boa de Phoenix com Gaga com canções românticas, são as cenas cantadas em cenários coloridos e de tonalidade alegre que não parecem fazer sentido algum logo por serem tão idênticas e incongruentes com o restante da narrativa. É também o momento em que Lady Gaga deixa o pouco que tem de Harley no roteiro e volta a ser a cantora performática que já conhecemos.


Lady Gaga e Joaquin Phoenix em CORINGA: DELÍRIO À DOIS
Dinâmica entre Lady Gaga e Joaquin Phoenix é um dos pontos altos do filme. (© Warner Bros. Entertaiment/Divulgação)


Não que Coringa: Delírio a Dois (Joker: Folie à Deux, no original) tenha que ser assistido com a menor das expectativas ou que o longa deveria se inclinar mais para a ação e, assim, ser mais fiel ao seu material dos quadrinhos (o que é uma crença ridícula, ainda mais estando no final de 2024). Ao escamotear potenciais possibilidades de desenvolvimento de seus personagens e de, ainda, jogar o selo da DC Comics para o fim dos créditos, a impressão que fica é que Todd Phillips apenas tirou vantagem de uma tendência e ludibriou o público (sempre sedento por referências – e tem algumas – ou por, no mínimo, um bom filme com seu diferencial) em proveito próprio. 



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