O QUARTO AO LADO – por uma finitude feliz | CRÍTICA
Quando um cineasta é bom de verdade, um idioma diferente não se torna um empecilho. Por vezes, pode até demonstrar um lado de sua arte que não conhecíamos mesmo com uma filmografia considerável. O Quarto Ao Lado marca a estreia de Pedro Almodóvar na direção de longas-metragens em inglês (após se aventurar com dois curtas nos anos anteriores) e vem a mostrar como o diretor toca com sobriedade os temas sensíveis que permeiam a história adaptada do livro de Sigrid Nunez sem deixar de ser artístico.
Ganhador do Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2024, O Quarto Ao Lado é um filme que evoca lembranças e que instiga reflexões sobre relacionamentos, principalmente, aqueles que vão se perdendo ao longo do tempo seja por razões (leia-se "atritos") familiares ou por função de trabalho ou até mesmo a distância. Patrimônios da arte, Julianne Moore e Tilda Swinton protagonizam esta história sobre, respectivamente, Ingrid e Martha, duas amigas de longa data que trabalhavam juntas por um bom tempo até que a primeira se tornou romancista e a outra, uma repórter de guerra. Fixando residência em Nova York, Ingrid torna a visitar e se reaproximar de Martha, que enfrenta uma luta contra o câncer e vem a fazer um pedido nada usual para a velha amiga.
Com uma narrativa formada por bons e longos diálogos conduzidos com destreza pelas atrizes, pouco a pouco, notamos que a língua inglesa não é uma barreira artística para Almodóvar. Obviamente, suas cores intensas estão cá e lá em composições cênicas formidáveis em parceria com o diretor de fotografia Eduard Grau (Boy Erased, As Sufragistas) com destaque para os reflexos em janelas ou espelhos (há referências a Edward Hopper e também para a própria filmografia).
Típico de Almodóvar, há notas de erotismo e também espaço para flashbacks melodramáticos. Aqui, o cineasta aproveita a deixa e faz de um acontecimento passado em uma encenação típica da Era de Ouro de Hollywood, embora o elenco jovem e o texto não sejam dos melhores, embora a grandeza em cena faça daquilo um momento dignamente trágico.
No alto de seus 75 anos, Almodóvar parece se colocar mais existencialista do que antes, por mais que a morte não lhe seja um tema inédito (Tudo Sobre Minha Mãe e Fale Com Ela, por exemplo, já dizem muito e bem sobre isso). Desconheço se o teor humanista já vem de "O Que Você Está Enfrentando" (o romance escrito por Nunez), mas neste caso, o cineasta utiliza o personagem de John Turturro para ponderar sobre o meio ambiente e, intrinsecamente, a onda de negacionismo/conservadorismo extremo que só tende a prejudicar a todos. Se a vida é passageira, por que é que o sofrimento deveria ser levado adiante até o último respiro e fazer todos ao redor sofrerem ainda mais?
O Quarto Ao Lado (The Room Next Door, no original) é mais um daqueles filmes que, quando você menos espera, traz momentos acalentadores e surpreendentes e, quanto mais você pensa, mais tem vontade de ver e rever tamanha arte – e vida! – projetada.
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