quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

O Homem Invisível | CRÍTICA


Monstros, de certa forma, sempre foram um reflexo da sociedade ou até mesmo um diagnóstico do quão adoecida ela pode estar em princípios morais. Enquanto o cinema e a televisão, ao longo das décadas, projetou diversas histórias de criaturas que eram combatidas mais por sua aparência horripilante do que por atos de vilania, releituras foram agregando contextos menos fantasiosos ao envolver temas psicológicos e é por esse caminho que a mais nova versão de O Homem Invisível prefere seguir sublevando uma interessante perspectiva feminina.

De uma lacuna deixada pela desistência do Dark Universe após os resultados de A Múmia, a prolífica Blumhouse Productions não perdeu a oportunidade de contar a história de um dos célebres Monstros da Universal ao seu modo tão antenado com as audiências sedentas pelo espetáculo. Dirigido e roteirizado por Leigh Whannel, de Sobrenatural: A Origem, a história revisita o clássico literário de H.G. Wells – e o cinematográfico de James Whale (Frankenstein) de 1933 – adaptando-o com tanta tecnologia ao seu redor que parece até coisa de filme de super-heróis com vilões que surgem com artefatos perigosos demais para ficarem soltos por aí.

(© Universal Pictures/Divulgação)

Se esta abordagem hi-tech parece ideal para cativar um público jovem no contato de personagens que não vieram de páginas em quadrinhos, acontece que O Homem Invisível é mais sobre Cecilia e sua fuga desesperada (e um pouco psicologizada) da proteção obsessiva de Adrian Griffin, seu marido e um magnata do setor de soluções ópticas, que, de um dia pro outro, foi dado como morto. Prestes a receber uma herança generosa, Cecilia é atormentada por indícios de uma presença que pode levar ao que Adrian desenvolvia em sua garagem, mas quem vai acreditar em uma mulher que, ao menos se atesta, exagera em remédios e passa por outros vexames?

Situado em San Francisco, o que faz ecoar forte a questão de delírios do hitchcockiano Um Corpo Que Cai (outra preciosidade do estúdio), O Homem Invisível é uma obra de muitos pontos altos, mas que acaba não escondendo suas falhas que poderiam ser compreensíveis na ingenuidade do espectador de 87 anos atrás, mas se tornam incrédulas para este de 2020. Denotando um prólogo excelente que se sustenta, em boa parte, no talento expressivo de Elisabeth Moss aliado a uma fotografia gélida e um design de produção inteligente, o roteiro acerta em apresentar diálogos rápidos e longe de serem complicados, o que fomenta a boa execução do suspense e suas tantas revira-voltas que, no fundo, não precisam de muitas mesmo, além de render cenas de ação impactantes (ou seria só a reverberação da trilha e efeitos sonoros?).

É nessa pequena insaciedade de Whannel, contudo, que a trama deixa a segurança de uma narrativa enxuta para entregar pares de incidentes mais exagerados do que deveriam, principalmente se formos considerar a mudança brusca dos personagens ao redor de Cecilia que deixam de acreditar na amiga/irmã a ponto de ser não menos que uma tolice. Entre pontos de vista, enquanto uma narrativa que melhor poderia tratar sobre gaslighting sem ser clínico demais, O Homem Invisível ainda é um bom entretenimento justamente por não prometer nem entregar demais em sua campanha e levar a fórmula do suspense com afinco.



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