quinta-feira, 7 de março de 2019

Albatroz | CRÍTICA


Além de seu proposital estranhamento, ao longo da projeção de Albatroz surgem inúmeras perguntas acerca dessa obra repleta de mistérios e reviravoltas de aturdir a mente: é uma adaptação de uma graphic novel desconhecida do grande público? É um Black Mirror brasileiro? Tem dedo de argentino? Original à flor da pele, o longa roteirizado por Bráulio Mantovani (apenas o roteirista dos sucessos Tropa de Elite 1 e 2, sem se esquecer de Cidade de Deus) e dirigido por Daniel Augusto (Não Pare na Pista - A Melhor História de Paulo Coelho) é um caprichado e intelectual thriller que não deve em nada para a produção do gênero no estrangeiro.

Co-roteirizado por Fernando Garrido e Stephanie Degreas, Albatroz conta, muito que alinearmente, uma sinestésica e mórbida história de vingança da escritora Alicia (Andrea Beltrão) após ser recusada pelo namorado de adolescência, o fotógrafo Simão (Alexandre Nero). Casado com a musicista Catarina (Maria Flor), mas com interesse além do talento cênico de Renée (Camila Morgado), um acidente em Jerusalém faz com que Simão ganhe fama a um preço eticamente alto, a ponto de ansiar em ser um fotógrafo de sonhos. No que parecia ser uma experiência surreal, logo Simão conhece o impacto de suas escolhas que, sob uma certa ótica, pareciam ser irreversíveis.

Afora seu teor de confusão (até porque o protagonista passa boa parte da narrativa desnorteado) e algumas pulsações de luzes e gráficos que podem ser desconfortáveis ao público, o filme demonstra um esmero ímpar que não fica apenas nos ótimos nomes de seu elenco de apoio, como Andreia HortaGustavo MachadoRoney Facchini e uma virtual participação de Marcelo Serrado. Como proposta de ficção científica, a produção se engaja de vários elementos tecnológicos tal como imagens de arquivo que intensificam a experiência vertiginosa a ponto de tornar a narrativa num neo noir audacioso pelas lentes do diretor de fotografia Jacob Solitrenick, embora carente de ação como seu suposto flerte com Inception parecia indicar. 

Ótimo pelo seu trabalho de montagem, mas disperso demais para o espectador acomodado com comédias ensolaradas e de riso fácil, não há deleite maior na obra também do que ver referências à filmografia de David Lynch. Seja pela inspiração de seus realizadores por Estrada Perdida, são valorosas as cenas em que remetem a Veludo Azul (quer referência melhor do que ter Maria Flor com cabelos cacheados à frente de uma cortina avermelhada?) e Twin Peaks (a fuga/perseguição num corredor como no Black Lodge), Albatroz comprova que sua perturbação imagética pode ser de grande valia para o refinamento das narrativas de nosso cinema.



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