quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Animais Noturnos | CRÍTICA


Se a beleza é relativa ou está nos olhos de quem vê, a morbidez parece tão esteticamente bela quanto um corpo naturalmente delgado para o estilista e diretor Tom Ford, ou pelo menos é o que dá a entender pela abertura de Animais Noturnos e em diversos momentos da sua projeção. Mulheres nuas obesas dançam joviais em plataformas numa galeria de arte, casamentos de fachada e mal-sucedidos vem e vão entre viagens, e até na violência e na morte o diretor almeja encontrar suas respectivas belezas em uma trama soturna e que impressiona por sua condução segura.

Há algo na vida de Susan Morrow (Amy Adams) que não está de acordo, apesar de viver confortavelmente em sua mansão em algum lugar no alto de Los Angeles. Como negociante de arte, Susan angariou várias obras espalhadas pela casa ou em outras galerias pela cidade, no entanto, mal consegue segurar seu marido, Hutton Morrow (Armie Hammer), que prefere viajar para Nova York tratar de negócios já que a situação financeira do casal parece estar em declínio, ou assim diz ele. Se a relação com Hutton parece tão fria e distante, os ressentimentos de Susan afloram não só quando ela ouve uma outra voz feminina anunciando o andar de seu hotel favorito, mas a partir do momento em que recebe um manuscrito de romance intitulado "Nocturnal Animals" assinado e dedicado exclusivamente por seu ex-marido, Edward Sheffield (Jake Gyllenhaal). A cada página devorada, mais Susan se convence de que mágoas do passado são muitas vezes irreversíveis.


Assim como a estética tem critérios pessoais, da mesma forma acontece com a interpretação particular do que se vê ou lê, por exemplo. Roteirizado pelo próprio diretor a partir do livro "Tony & Susan", de Austin Wright, a meta-adaptação do romance se porta engenhosa como qualquer processo imaginativo justamente por inserir Gyllenhaal como o pai da família Hastings naquela noite por uma estrada inóspita onde perde tudo o que tinha para três baderneiros liderados por um Aaron Taylor-Johnson tão agressivo que chega a ser perturbador, se não fossem seus maneirismos que mais parecem uma tentativa de aplacar seu nome às premiações da temporada de ouro. Do tom de cor ao penteado do cabelo de Isla Fisher representando a esposa de Tony, de cada linha lida por Susan que vai revelando um certo desejo de vingança por parte de Edward, mais a galerista entende que aquela ficção nada mais do que partiu para o lado pessoal, fazendo-a relembrar dos tempos onde a alegria e sonhos pareciam suficientes ao velho casal.

Arrancando de seu elenco boas atuações além de diálogos arrebatadores, vide o desmedido delegado vivido por Michael Shannon e a diferença gritante dos semblantes do personagens de Jake Gyllenhaal, Ford detém em mãos a curiosidade do espectador por esta trama tão intrincada por mais que, no fundo, seus incidentes escritos de forma genérica se assemelham aos de tantos outros filmes com cenas envolvendo o meio-oeste estadunidense. Demonstrando elegância não só nos cenários luxuosos por onde a personagem de Amy Adams passa, o diretor estabelece belos raccords de analogias durante o filme, religando o passado, o presente e a ficção daqueles personagens seja por objetos ou pelo desenho de corpos nus deitados sobre um sofá e uma cama. Além disso, Nocturnal Animals traz a boa fotografia de Seamus McGarvey (O Contador), que acresce a penumbra ao redor de Susan Morrow e destaca a aridez sufocante do deserto.



Intrigante e intuitivo até seu último segundo, todavia pretensioso, Animais Noturnos fornece a Tom Ford um piso seguro em sua nova empreitada pela sétima arte demonstrando um domínio da narrativa (e também nos gêneros pelos quais flerta) sem precisar apelar para uma baixaria de luxo, tal como os delírios estéticos de Nicolas Winding Refn com seu Demônio de Neon. O filme peca também ao relegar Amy Adams a uma personagem que, no fundo, é completamente passiva ao ser guiada pela opinião de terceiros, ao contrário do que sua indumentária procura reforçar a cada cena. 

Se a arte imita a vida (e vice-versa), que ela não fique apenas nas meras aparências.



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