terça-feira, 26 de maio de 2015

Crimes Ocultos | CRÍTICA


Que a Guerra Fria foi um período completamente paranóico, isso o cinema já representou diversas vezes, mas (quase) sempre favorecendo o lado ocidental. Numa União Soviética em que, até onde se diz, "não há assasinatos no paraíso", coisa dos "demônios" capitalistas, a paranoia toma conta quando mais de quarenta meninos começam a aparecer mortos, sempre próximos de linhas de trens. Muita politicagem suja acontece em Crimes Ocultos (Child 44), que mais resultam num novelão confuso e destoante.

O agente secreto Leo Demidov (Tom Hardy) tem um passado tanto sofrível quanto glorioso. Sendo um órfão ucraniano resgatado por um soviético na metade da década de 1920, Leo cresceu no exército e virou praticamente um herói da Segunda Guerra, afinal, foi ele que apareceu naquela famosa foto em que um soldado segura uma bandeira da URSS em um prédio alemão destruído. Vasili (Joel Kinnaman), colega de Demidov, se sente bastante incomodado com tamanha ovação, parecendo piorar ainda mais quando, anos depois, Leo aparece casado com Raisa (Noomi Rapace), uma professora cheia de segredos que pode estar mancomunando com o Ocidente. O filho de um amigo próximo de Demidov morre atropelado por um trem, ou assim disse a perícia recitada pelo agente diante da família abatida, que insiste em contrariar o relator. A verdade vem à tona quando Demidov é informado pelo legista sobre a causa real do óbito e, junto a outras circunstâncias, aquele que foi tomado como herói agora teria que viver encurralado e no anonimato.



De um caso que tem tudo pra ser pedofilia, Crimes Ocultos, então, tenta partir para algo mais abrangente, mas compromete em sua qualidade narrativa. A clássica trama da corrida contra o tempo para deter o assassino no roteiro de Richard Price, com base no romance de Tom Rob Smith, começa a tomar ares de um thriller político e personagens com sua devida importância hierárquica, interpretados por Gary Oldman e Vincent Cassel, por exemplo, carecem de um pano de fundo que lhes dê uma competente encarnação. A carência de direção não só afeta os atores veteranos, mas até o casal protagonista formado por Hardy e Rapace estão subestimados, travados, faltando mais tato. Se o diretor Daniel Espinosa entende isso como tensão sexual, é difícil compreender as motivações de Raisa, que em sua maioria ficam em aberto.


Com um dedo de Ridley Scott na produção, os cenários receberam pelo menos um tratamento excepcional. O retrato da Rússia da década de 1950, tão operária e industrializada, ainda que encardida, distancia a iluminação gloriosa do passado soviético com a fumaça dos trens e uma politicagem que tenta beneficiar apenas o alto-escalão, e o que é pior, por motivos de inveja e cobiça. Uma lástima que o drama não tenha uma estrutura eficaz, logo quando trata de ecoar com o atual governo russo e outras gestões estaduais mundo afora.

Obs.: O filme foi banido dos cinemas russos por distorcer fatos, imagens, eventos e personagens históricos soviéticos, fazendo uma interpretação imoral dos acontecimentos, assim descritos pelo Ministro da Cultura russo.





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