Batman é um dos personagens dos quadrinhos que, provavelmente, mais recebeu adaptações para as telas ao longo dos anos cujo apelo popular, ao contrário do que se leva a presumir, se mantém intacto mesmo tendo que disputar espaço com outros heróis que inauguram suas aparições em filmes e séries. Seria também a sua maleabilidade de ser reinventado por diferentes realizadores ao longo das décadas que proporciona ao público uma estranha sensação de ineditismo – mesmo com tantos intérpretes, parece que há sempre um lado de Bruce Wayne e seu alter ego que ainda não fora retratado no cinema. Sendo assim, a aposta do diretor Matt Reeves (Planeta dos Macacos: A Guerra) em inserir o herói numa trama de intensa investigação se torna um exercício cinematográfico não menos do que excelente de acompanhar e de desvendar seus mistérios.
Paul Dano entrega uma versão assustadora do Charada, dando peso ao enigmático vilão. (© Warner Bros. Pictures/Divulgação) |
Pontuada por locuções típicas de um film noir refletindo as experiências notívagas de Bruce Wayne sob capuz e capa, Batman retrata uma Gotham em camadas sufocantes, ainda mais castigada com um clima nada ameno. É praticamente a primeira vez em que a cidade é mostrada com um goticismo extremo que não se reflete apenas na arquitetura de suas edificações altas e ruas estreitas condenando toda a sua população a rotina decrépita – nem mesmo nas iterações de Tim Burton (fetichista) e Todd Philips (oportunista). Taciturno é o termo mais que apropriado para delegar ao comportamento das personagens que acompanhamos aqui: Bruce é um rapaz melancólico e curvado que não parece se importar com a fortuna herdada ao passo em que seu Batman está sujeito a falhas; Jim Gordon (Jeffrey Wright) cresce em hesitação quando nota que seu próprio departamento de polícia pode estar consumido pelo crime. Inclusive, é um alívio atestar que Selina Kyle, em ótima performance de Zoë Kravitz, não é fadada a ser uma personagem sensualizada e enfatiza aqui ponderações cruciais sobre o que levou a cidade ao que se testemunha.
(© Warner Bros. Pictures/Divulgação) |
A direção de fotografia de Greig Fraser (Duna, The Mandalorian) pode ser alvo de reclamações pelo fato de se mostrar tão escurecida (justificável perante o clima apresentado, ainda mais com tão poucas cenas diurnas), mas é curioso perceber que a mise-en-scène de Reeves se aproveita dessa subexposição crepuscular e entrega composições que valorizam a profundidade de campo entre seleções de foco que parecem até extraídas das HQs de Frank Miller. Até mesmo a questão do voyeur, tão inevitável nos títulos de suspense, se beneficia de tais disposições de câmera enquanto há um trabalho de som minucioso que nos antecipa de quem podem ser tais visões subjetivas.
(© Warner Bros. Pictures/Divulgação) |
(© Warner Bros. Pictures/Divulgação) |
Aliada a trilha sonora poderosa de Michael Giacchino, todas as entradas do Homem-Morcego se dão não menos do que épicas (o Charada, por sua vez, se torna tão intimidador que chega a ser agonizante acompanhá-lo), todavia Reeves e Pattinson se portem dispostos a testar (senão reverter) a fórmula do herói. Entre incidentes constantemente midiatizados e fascistoides que encontram na Internet um líder e um espaço para se organizar, a narrativa subverte expectativas de um grande clímax ao propor uma escolha moral ao protagonista: corroborar indiretamente em ser parte de tudo aquilo retribuindo na mesma moeda ou se dispor a ajudar como era de seu intento? Da brutalidade impensada a um salto de sacrifício, é provável que o herói nunca tenha recebido uma retratação tão poética no cinema para um ato tão decisivo como esse.
(© Warner Bros Pictures/Divulgação) |
Para um gênero em que se espera apresentações perpetuamente superlativas, é formidável que The Batman (título original) persista em uma disposição contrária às tendências – e não falo exatamente da escolha peculiar dos figurinos. Seu andamento e todas as demais escolhas artísticas favorecem para que cada momento aqui resulte em um momento apoteótico ao personagem – uma emersão desafiadora indicando que, certamente, seja esse tipo de herói que precisamos agora.
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