quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

MORTE NO NILO – virtuosismos detetivescos | CRÍTICA



Aventurar-se nos romances policiais de Agatha Christie é um caminho sem volta por suas imprevisibilidades que, até um determinado momento, pareciam facilmente notáveis. Mas, a cada reviravolta descoberta por Hercule Poirot, aumenta a intriga e nossas expectativas para a resolução de tais crimes tão meticulosamente narrados. Passado o êxito de Assassinato no Expresso do Oriente (bom, com exceção à sua mania de grandeza), Kenneth Branagh dispõe-se mais astuto e extravagante na condução dos perigos encontrados em Morte no Nilo.


Dono de uma filmografia histriônica de sucessos (vide a sua recente indicação ao Oscar por Belfast) e títulos infelizes (Artemis Fowl), Branagh repete muito do que deu certo na aventura detetivesca lançada em 2017, ainda que todos os seus maneirismos em prol de uma roupagem contemporânea que seja agradável a um espectador de cinema desatento pese tanto a favor da narrativa como ao contrário desta. O cineasta deixa a câmera circular em planos longos entre danças efusivas durante os blues de Salome e aplica angulações obtusas sempre que as situações tanto em terra como água se parecem turvas. Mediante o roteiro formulaico de Michael Green, todos são ainda mais suspeitos – e o bom elenco que Branagh tem em mãos não cansa de testar nossa afinidade para com os personagens a cada cena.

(© 20th Century Studios/Divulgação)

Entre atrizes prestigiadas como Annette Bening, Rose Leslie e os malfadados Armie Hammer e Letitia Wright (ainda que ambos não comprometam a narrativa), Branagh demonstra destreza na transposição do roteiro como, principalmente, em sua segunda – e mais afetuosa – performance de Poirot. Pieguice à parte da origem do bigode icônico, encontramos aqui uma melhor exploração do detetive que se faz ainda mais carismático não só por sua inteligência, mas por seus hábitos que, às vezes teimosos, não deixam de ser divertidos. 

(© 20th Century Studios/Divulgação)


Há também uma atenção redobrada para a atuação de Gal Gadot como Linnet Ridgeway. Tachada de limitada e restringida apenas aos filmes de ação na última década, a atriz se esforça no que talvez seja o seu papel de maior peso até então sem deixar de esbanjar seu sorriso mais do que estimado. Entretanto, é Emma Mackey (série Sex Education) que se destaca por representar um coração partido tão feroz, insano, mostrando a que veio tão logo em sua cena inicial.

(© 20th Century Studios/Divulgação)


À parte dos misticismos do Egito Antigo recitados e visitados ao longo da narrativa, é um tanto incômodo ver o uso berrante de cenários e composições digitais (compreensível vide a intenção de recriar locações de quase um século passado, mas a entrega não é das melhores) que é compensado pelos figurinos de Paco Delgado, que insere personalidades e outras serventias em cada peça de roupa, das mais luxuosas às mais simplórias.


(© 20th Century Studios/Divulgação)


Ao se livrar dos excessos que envolviam Assassinato no Expresso do Oriente, Kenneth Branagh encontrou e projeta em Morte no Nilo (Death on The Nile, no original) o jeito certo para uma história de Agatha Christie bem contada: a perversidade dos conflitos entre classes sociais, toda a pompa boêmia das primeiras décadas do século XX, a entrega dos pontos de virada que satisfazem qualquer bom leitor ou espectador atento que trata de furtar qualquer pista específica para dar as cartas na hora certa. Diferente do que sempre anseia o protagonista, penso que ainda não está na hora de Hercule Poirot ter as suas férias das telonas.






Ficou intrigado com Morte no Nilo? Eu super recomendo a leitura dos livros de Agatha Christie, que são sempre ótimos e satisfatórios. Que tal aproveitar pra sacolar a coleção na Amazon?



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