quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

A ILHA DE BERGMAN – a descontrução de uma Persona | CRÍTICA


Mais do que emular o clássico diretor sueco, A Ilha de Bergman propõe uma discussão sobre masculinidade e legado, cobrando ainda o papel do homem na criação dos filhos, ao embarcar na famosa Ilha que inspirou clássicos do cinema.

O filme conta a história de um casal norte-americano de diretores, Chris (Vicky Krieps) e Tony (Tim Roth), que viajam até uma ilha onde ambos possam escrever roteiros para seus próximos projetos. O lugar escolhido é a ilha que inspirou Ingmar Bergman a compor sua extensa obra e ser reverenciado como um dos maiores diretores de todos os tempos.

O maior acerto de A Ilha de Bergman é não tentar copiar o estilo do lendário cineasta sueco, mas sim partir dele para contar sua própria história. A diretora Mia Hansen-Løve dá um tom quase autobiográfico ao mostrar um casal de diretores onde o homem é muito prestigiado e aclamado, enquanto a mulher fica relegada aos pequenos públicos. Por sinal, Mia é casada na vida real com o diretor Olivier Assayas (Personal Shopper).

Durante o filme, são soltas algumas curiosidades acerca da filmografia de Bergman, mas nada tão profundo que um cinéfilo iniciado já não saiba, a proposta aqui não é essa. O filme quer mesmo penetrar na persona de Bergman (desculpe o trocadilho involuntário) - uma discussão de que os grandes gênios, na verdade, tiveram uma série de privilégios para poder compor suas obras.

(© Pandora Filmes/Divulgação)


Bergman acumulou 27 filmes com apenas 42 anos de idade, mas alguém já se perguntou quem criava os nove filhos do diretor? Alguém já se perguntou quantos deveres domésticos um artista homem realizou em meio ao seu processo criativo? É aqui que o filme alcança seu maior mérito, ao desconstruir e debater se uma mulher teria a mesma condição de realizar 27 filmes aos 42 anos tendo 9 filhos para cuidar.

O filme não debate apenas isso, mas também mostra como a comercialização de um diretor cultuado movimenta um lugar. Os museus são dedicados a Bergman, linhas de ônibus realizam verdadeiros safaris culturais para mostrar os locais de filmagem, entre outros tópicos, mas nada ali ajuda Chris a desenvolver seu próprio roteiro.

O filme ganha ainda mais fôlego quando introduz o chamado filme dentro do filme, que é a materialização do roteiro incompleto da diretora. Ao mesmo tempo em que o marido tem um chamado importante e vai precisar deixá-la em um lugar claramente desconfortável. Esse turbilhão de emoções é, no fim, o que pode indicar caminhos para os quais ela deve seguir em sua obra.

Mia Wasikowska também integra o elenco. (© Pandora Filmes/Divulgação)

O filme de Chris traz um novo vigor em cena e apresenta um jovem casal de cineastas, onde os dois vivem uma relação intensa e complicada e decidem tirar férias também na Ilha de Faro. Ele é abertamente influenciado por Bergman em sua obra e quer conhecer mais sobre o processo criativo; já ela não está no mesmo astral e acompanha o namorado com uma certa dose de apatia. O desenrolar desse filme dentro do filme é inesquecível, tendo talvez a versão definitiva de "The Winner Takes It All", da banda também sueca, ABBA.


Ao abrir o debate sobre os detalhes de produção da obra de um gênio, A Ilha de Bergman traz muito mais perguntas do que respostas, porque está interessado em mostrar as cobranças distintas de cada gênero. A Ilha de Bergman empresta o nome de um dos maiores cineastas de todos os tempos e foge de emulá-lo, mas constrói uma visão muito mais complexa das obras de um autor masculino, sem precisar ser panfletário ou interromper o filme para aplicar um possível discurso. 


Talvez Mia Hansen-Løve tenha achado seu melhor filme – e tomara que ela evolua ainda mais!



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