quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

O BECO DO PESADELO – fascínio ao passado | CRÍTICA


O Beco do Pesadelo (Nightmare Alley, no original) é mais outro acerto do todo caprichoso Guillermo del Toro, que agora se desprende de suas habituais tramas fantasiosas enveredando-se para uma narrativa psicologicamente perturbadora. Entre shows de ilusionismo, leituras de tarô e até terapias incomuns para a psicologia do final da primeira metade do século XX, o oscarizado cineasta de A Forma da Água aproveita para esbanjar a sua cinefilia em tela.

A julgar pelo tipo taciturno de Stan Carlisle (Bradley Cooper, ótimo ao representar um papel tão incomum na sua carreira) e o destino do mesmo, tudo leva a entender que o filme se trata de mais um horror fantástico do diretor, mas o circo levantando por Willem Dafoe – e que conta com Ron Perlman, Toni Colette e Rooney Mara na trupe – têm muito a oferecer ao sujeito que não tinha onde cair morto. Stan é atento às instruções e aproveita a admiração alheia para crescer no local, mas as atrações parecem ser coisa do passado. Quando se mostra capaz em truques de adivinhação para um respeitável público de posse, o sucesso emergente vem a um certo custo. 

(© Searchlight Pictures/Divulgação)


Todas essas passagens, obviamente, detêm o que del Toro sabe projetar tão bem: o estremecimento que cresce para um pavor gritante, a tensão sexual que não é exatamente passional e até o pouco de "magia" que surge aqui e acolá se mostra encantadora. Ponto para a direção de fotografia de Dan Laustsen (colaborando com o cineasta desde A Colina Escarlate) e todo o extravagante design de produção de Tamara Deverell (série The Strain) que compreende desde a rusticidade do bizarro nas atrações do circo à austeridade das edificações urbanas e, mais importante, o minucioso consultório da Dra. Lilith Ritter (Cate Blanchett) e suas paredes com manchas muito similares àquelas do Teste de Rorschach.

(© Searchlight Pictures/Divulgação)


Portando-se como um filme dividido em dois longos capítulo, o roteiro de del Toro em parceria com Kim Morgan não escapa de ser enfadonho (seria para emular o tom do original de 1947?), todavia sagaz em proporcionar ao espectador diversas pistas do que tende a acontecer em seu desfecho, é aprazível notar como o diretor aproveita para recontar as temáticas das primeiras décadas de Cinema.

(© Searchlight Pictures/Divulgação)


Situado ao longo da década de 1930, del Toro é ilustre ao apresentar a primeira metade de O Beco do Pesadelo como um espetáculo consecutivo; uma celebração do cinema de atrações que exibiam as variedades "sobrenaturais" para o público pagante se sentir bem por se sentir "normal" – e arrisco a dizer que há até um peso considerável de O Gabinete do Dr. Caligari e tantas outras contribuições do Expressionismo Alemão. E se a psicologização das narrativas já era marcante neste movimento artístico, é notável que o cineasta também realiza um retrospecto de obras dos anos 1930 e 1940 em que diretores europeus imigrantes em Hollywood somaram para as produções desta. 

Há até um toque, talvez, de A Besta Humana, de Renoir, das guinadas psico-analíticas de Hitchcock e até de uma impregnação do noir levantado por Fritz Lang – daí a apresentação monocromática do filme em algumas salas pelos EUA. Inclusive, a frase final de Blanchett ecoa o ar esnobe das divas daqueles idos!

(© Searchlight Pictures/Divulgação)


Entrementes confuso (você há de se perguntar do que se trata essa história, afinal…), O Beco do Pesadelo é mais do que uma ode ao velho cinema, cujo misticismo resiste. Um filme que, mesmo em sua demonstração máxima de selvageria, há muito de uma beleza que estranha e, o mais importante, mantém o fascínio.





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