quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Como Nossos Pais | CRÍTICA


Família é, indubitavelmente, um assunto complexo. Há quem diga que ela é essencial por sua fonte de amor inestimável, que está em primeiro lugar acima de todas as prioridades particulares e que é aquela instituição que molda nosso caráter e visão de mundo antes mesmo de conhecermos com os nossos próprios olhos. Por outro lado, há quem busque distância de qualquer reunião ou o menor contato familiar; um pertinente afastamento devido aos anos de um convívio difícil com pais, irmãos e/ou parentes que o tempo jamais reverteu, contrariando qualquer sentimento de esperança até então. Se correntes de pensamento podem se mostrar mais liberais ou conservadoras, se o poder de compra dentro do lar tende a inflar ou suprimir, ainda assim, nada parece extinguir o medo atemporal que os filhos têm de serem igual aos pais em suas piores atitudes.

É dessa forma, focando no retrato de uma família de classe média paulistana, que a diretora Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças) e o co-roteirista Luiz Bolognesi (Bingo: O Rei das Manhãs, Elis) apresentam Como Nossos Pais com uma cena suficientemente emblemática: um tradicional almoço em família que, apesar de seu motivo especial e seus pratos saborosos, não deixa de ser uma hora "perfeita" para espetar um ao outro membro com os mais indigestos comentários capazes de estragar o resto do dia. Assim, acompanhamos a rotina de Rosa (Maria Ribeiro, em uma performance magnética), que casada com o antropólogo Dado (Paulo Vilhena) e mãe de duas filhas, nunca foi lá de receber afeto de sua matriarca, Clarice (Clarisse Abujamra, ótima!) que, por sua vez, adora mais o preguiçoso filho Cacau (Cazé Peçanha), o genro ativista e, principalmente, um maço de cigarros. Das farpas trocadas e mais afiadas entre mãe e filha, Clarice solta uma revelação desconcertante para Rosa que, nos dias a seguir, vai precisar lidar não só com as tarefas domésticas, profissionais e até familiares, incluindo novos favores para aquele que sempre chamou de pai e sua meia-irmã, mas descobrir um novo sentido na vida enquanto busca pelo seu verdadeiro pai e se arrisca em uma nova paixão.


Com uma decupagem positivamente econômica que situa a câmera muitas vezes em posição observativa em prol da naturalismo das cenas, Bodansky extrai dos incidentes de seu extenso roteiro um humor subjetivo que se potencializa quando as ações encenadas tendem a ecoar com as situações particulares dos espectadores e, da mesma forma, alça os conflitos narrativos a partir de situações que, dentro da nossa esfera doméstica, parecem de grande importância quando, bem no fim, são apenas picuinhas, tal como a insistência gritante da filha mais velha em colocar uma bicicleta no meio da sala porque não quer ser mais levada de carro para a escola por Rosa, prestes a explodir com seu acúmulo de nervosismo. No mais, é interessante notar como o longa, novamente em sua sequência de abertura, traz reflexos com a atmosfera abafada e sonora de O Pântano, de Lucrecia Martel, assim como o recente É Apenas o Fim do Mundo em suas intrincadas relações familiares – não por menos, o enredo dos dois títulos circundam figuras matriarcais.

Ganhador de seis Kikitos no Festival de Gramado, incluindo aí Melhor Filme, Diretora, Ator e Atriz, Como Nossos Pais faz jus a tais prêmios e, excetuando pares de cansativas passagens verborrágicas, o longa cresce em seu terço final quando investe em uma montagem paralela final que, não só justifica o título da obra, como se prova uma das sequências mais belas e impactantes projetadas no cinema brasileiro em 2017. Assim como toda família, o longa é um retrato misto de revolta, diversão e honestidade de seus personagens contemporâneos que, por menos ou nada exemplares que sejam, ainda buscam o consenso para o agrado de ambas as partes, pois a vida é curta demais para se privar do que há de melhor nela.



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