segunda-feira, 11 de julho de 2016

Julieta | CRÍTICA


Os filmes de Pedro Almodóvar conquistaram uma notoriedade mundial no que tange à habilidade do diretor e roteirista ao retratar personagens femininas de forma sensível, simbólica e atraente, permitindo que essas mulheres sejam fortes para contornar seus dramas pessoais com um humor que varia do choro ao riso, detendo uma liberdade sexual que erotiza sem recorrer a vulgaridade. Um retrato tão singular que são raras as diretoras (excetuando a enganosa Anna Muylaert) que conseguiram estabelecer no cinema algo com o mesmo afinco e brilho. Com Julieta, pode-se dizer que o diretor faz uma síntese dos elementos mais marcantes de sua vasta filmografia, no entanto, longe de ser seu melhor filme ou um retorno triunfal ao seu fascinante universo.

Próxima da "meia-idade", Julieta (Emma Suárez) está prestes a viajar com seu namorado, Lorenzo (Dario Grandinetti), e se encontra no ardiloso processo de encaixotar seus pertences. Tudo porque cada objeto que ela embala com cuidado contém lembranças importantes e, mesmo que isso nos pareça alheio num primeiro momento, afinal, trata-se da sequência inicial do filme, a câmera e o design de produção fazem questão de pontuar os itens cuidadosamente arranjados em seus esquemas de cores padrões do diretor e no foco preciso dos planos cujo tempo de tela é o suficiente para indicar uma relevância iminente. Mas é no semblante silencioso e distraído de Julieta que reside uma dor oculta, prestes a ser desencadeada num encontro súbito com Beatriz (Michelle Jenner), outrora melhor amiga de sua única filha, Antía, "desaparecida" há pouco mais de uma década, agora residindo perto de um famoso lago italiano. 



Em seu ímpeto por saber mais notícias, a mulher rompe com o namorado, alegando ter escondido algo por todo o tempo em que estavam juntos e arranja um velho apartamento em outro bairro de Madrid – uma tentativa desesperada para relembrar o passado e assim reencontrar aquela que, apesar de todas as baixas sofridas no decorrer da vida, nunca se conformou de ter perdido.


A partir de três contos da premiada autora Alice Munro, Almodóvar tece meticulosamente uma longa história da vida de Julieta e, sob uma extensa narração, embarcamos numa volta ao tempo, para uma certa noite que se entende ser na década de 80, a julgar pelas vestes e cabelos "radicais" da jovem moça que tomou aquele trem no inverno para dar aulas de literatura em outra cidade. A Julieta daquela época, vivida pela impressionante Adriana Ugarte, então, era uma moça radiante que procurava seguir o correto, que empolgava seus alunos com uma matéria que tinha tudo para ser entediante, conquistando também a atenção de um homem no trem, aquele que viria a ser o pai de Antía. 



De fato, Julieta tem muita história para contar e chega a ser estranho perceber como o filme se arrasta mesmo tendo pouco mais de noventa minutos de duração. Personagens vem e vão, outras nunca mais voltam, e boa parte das pessoas que circundam a filha/amiga/esposa/mãe possuem alguma enfermidade, seja física ou mental; um recurso melodramático que se fragiliza gradativamente por se revelar mais como um artifício a fim de retirar personagens em cena do que servir de sacrifício para as mesmas. Como se não bastasse, a divisão dos planos de Almodóvar resulta numa montagem amadora decepcionante, recorrendo aos cortes típicos vistos em novelas que pouco exploram os cenários ou as marcações de seu elenco, deixando escapar ações previsíveis em alguns momentos, vide a cena no trem em que Xoan (Daniel Grao) se dispõe a falar com Julieta antes mesmo de ela fazer sua entrada. Ainda assim, a fotografia de Jean-Claude Larrieu ressalta a beleza natural dos Pireneus e dos meios urbanos por onde Julieta passa, imagens que são bonitas de ver.

Se Julieta for esquecido pelo público, que os anos não enxuguem o potencial lírico daquela bela cena no banheiro, uma transição temporal justificável cada vez mais rara em filmes com vários(as) atores/atrizes representando uma mesma personagem. Das pistas soltas no início e que se amarram com o decorrer da narrativa, Almodóvar acerta ao tornar a versão adulta de Antía em um MacGuffin típico de Hitchcock, compartilhando com o espectador a mesma ansiedade da mãe quanto a filha omissa. Dizem por aí que o diretor espanhol já não é mais o mesmo do ótimo Tudo Sobre Minha Mãe ou Volver, mas há de se admitir que Almodóvar possui um instinto de fazer um bom cinema, daqueles que, dramalhões a parte, nos convidam a utilizar a intuição.




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