domingo, 14 de abril de 2024

GUERRA CIVIL – guerra sem contexto não existe | CRÍTICA


Novo filme da A24 traz a imaginação de uma guerra e fica na superfície de um filme medíocre.

O filme se passa em um futuro distópico, no qual uma guerra civil acontece entre o governo estadunidense e as "Forças Ocidentais Separatistas", lideradas pelo Texas e pela Califórnia. Em meio ao conflito nós acompanhamos um grupo de jornalistas que pretendem registrar os momentos de combate e entrevistar o presidente como um último ato frente ao avanço das tropas inimigas.

O filme é dirigido por Alex Garland, que surpreendeu o mundo com o ótimo Ex-Machina teve uma trajetória não tão empolgante após seu primeiro hit. Seu último filme, Men é um dos piores lançamentos de 2022 e eu tive a oportunidade de escrever sobre ele e declarar o quão decepcionante foi aquela experiência.

O maior dos erros daquele filme foi provocar uma metáfora e simplesmente retirar todas as camadas que ele poderia ter para apresentar um filme com imagens chocantes e uma mensagem oca. Tudo isso pode ser replicado para Guerra Civil.

(© A24/Diamond Films/Divulgação)

Aqui temos uma boa justificativa para avançarmos nos conflitos de uma guerra civil ocorrendo nos Estados Unidos. Apenas jornalistas se submeteriam a fazer uma viagem em tempos de guerra e se colocar em risco para poder captar as imagens e histórias do conflito. Joel (Wagner Moura) é um sádico que chega a verbalizar que tem uma ereção ao ver tiroteios e zonas de confronto, já Lee Smith (Kirsten Dunst) é uma fotógrafa de guerra que já viu os maiores horrores que a humanidade pode cometer e por isso lida com frieza ao ver corpos e vísceras. Não vou desenvolver um tratado sobre ética jornalística, mas o que fazem aqui é impressionantemente patético.

Em uma dinâmica de Road Movie, o filme é quase um videogame, onde vemos fases do conflito que vão se acentuando até um clímax final. É aqui que moram as melhores coisas do filme. Há um bom trabalho em detalhar a tensão existente no conflito e a qualquer momento podemos perder algum dos protagonistas. A sequência com Jesse Plemons é muito angustiante e tensa e com certeza o melhor momento que Guerra Civil tem a oferecer. Ela é uma grande exceção para tudo que eu não gostei no filme. 

Entre escolhas questionáveis de músicas em momentos super constrangedores, o filme se leva muito a sério e se vende como um grande blockbuster, tendo sido filmado em Imax e sendo o maior orçamento da história da A24, porém a sensação que fica é de que a grande guerra é resolvida com pequenas batalhas de cinco ou seis soldados, tiroteios noturnos e poucos locais realmente devastados, sendo tudo meio micro, mas isso pode ser uma implicância minha, que esperava ver de fato uma guerra em tela. Séries como The Walking Dead são muito mais bem resolvidas nesse quesito.

O problema está em uma pasteurização de todo e qualquer debate acerca de política que o filme possa carregar. Não se sabe quais são os motivos pelos quais a guerra foi declarada, quais as inclinações políticas de cada lado e no momento que vivemos em uma polarização tão intensa em vários países do mundo, realizar um filme que proponha uma guerra civil nos EUA em ano de eleição e não toque em nenhum momento no debate sobre a ascensão da extrema-direita é muito covarde. E não, não digo que se o filme fosse antifa ele seria bom, mas pelo menos ele teria mais alma, porque o que está em tela é vazio.

(© A24/Diamond Films/Divulgação)

Não explorar tensões identitárias que poderiam ter gerado o conflito, bem como modelos econômicos que faliram e são tão pouco explorados que chegam a dar vergonha no momento em que flertam com esse debate. Há uma cena em que os protagonistas param em um posto de gasolina e pedem para abastecer, ofertando dólares canadenses no lugar dos dólares americanos e nunca mais a economia é citada. Momentos históricos são citados, como a revolução na Líbia, onde Muammar Gaddafi acabou sendo executado, porém em nenhum momento se explica qual seria a semelhança entre o presidente desse cenário com o ex-ditador.

Há uma pobreza em contexto que é digna das histórias mais genéricas de Call Of Duty, inclusive, se esse filme fosse uma adaptação de jogos de tiro ele seria muito mais honesto, porque as cenas de ação são muito bem filmadas e tem um trabalho de som excelente, porém nada disso agrega peso, porque você não sabe de qual lado deve estar na guerra, apenas seguindo os jornalistas que possuem um amor a vida menor do que qualquer piloto kamikaze.

Em entrevista ao Daily telegraph, Garland disse que o filme “serve como uma alegoria de ficção científica para a nossa atual situação polarizada”, porém ele se comporta como aqueles que publicam que há uma “escolha difícil” entre “duas faces da mesma moeda”, o que qualquer pessoa com um mínimo de senso crítico sabe que tensões políticas atuais não funcionam assim, muito mais quando partem de fato para revoluções bélicas.

Com a escolha ou incapacidade de formatar bases para a guerra, o filme se torna tão valioso quanto cantar “Imagine” durante uma pandemia ou a já infame propaganda da Pepsi que resolve conflitos com manifestantes dando refrigerante aos policiais que inibem os protestos. Guerra Civil se vende como uma crônica do mundo moderno e acaba virando um grande panfleto de “guerra é ruim, porque morrem pessoas”.

Se for assistir, pinte as unhas de branco pela paz!

Confira o trailer:




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.