quarta-feira, 19 de julho de 2023

OPPENHEIMER – uma montagem reativa | CRÍTICA

Cillian Murphy is J. Robert Oppenheimer in OPPENHEIMER, written, produced, and directed by Christopher Nolan.

Para todos os efeitos, eu preciso afirmar que Christopher Nolan se superou de novo. Afora a premissa de contar sobre um evento tão divisivo do Século XX concentrando-se na vida do cientista cujo nome dá título ao longa, Oppenheimer vai além do conceito de uma biopic e/ou uma ode à ciência, é, mais ainda que Dunkirk, uma retumbante experiência de Nolan prezando pelo impacto da montagem.

 

Roteirizado pelo próprio diretor a partir do livro “Oppenheimer: O triunfo e a tragédia do Prometeu americano”, as primeiras cenas nos levam a acreditar que seus planos-detalhes ágeis culminarão em uma narrativa muito próxima daquelas repletas de contemplações de Terrence Malick ao projetar imagens tão entusiasmadas com a beleza dos átomos e o universo sob o ponto de vista de um físico que, de nunca satisfeito com os resultados de seus estudos sobre mecânica quântica, o conduziu a uma jornada de desafios que culminaram no Projeto Manhattan. Por uma boa parte da projeção, nomes que ouvimos nas aulas de Física e Química vem à tona representados por atores conhecidos em dinâmicas de gênios tão entusiasmadas em prol do conhecimento que, por vários momentos, eu lamentei por não ter tido boas aulas que me fizessem compreender melhor as tantas fórmulas e conceitos científicos dispostos aqui.


(Foto: © Universal Pictures/Divulgação)

Oppenheimer, é claro, está longe de ser um cine-seminário de como montar uma bomba atômica passada a sessão, mas é fato que este é o filme mais denso da carreira do diretor, já conhecido por ser expositivo por vias até óbvias demais em suas narrativas. A regra de “não tente entender; apenas sinta” de Tenet volta a valer novamente quando as coisas parecem mais complexas, todavia, é compreensível que Nolan queira contar as causas e consequências que circundaram a vida de J. Robert Oppenheimer além da ciência, mas na política necessária, o que torna o texto um tanto mais burocrático do que a média do cineasta que sempre entregou cenas de ação espetaculares.


Parceiro de longa data de Christopher Nolan, Cillian Murphy finalmente é alçado a protagonista em um momento de popularidade passada a série Peaky Blinders e entrega uma performance que chega a redefinir o que muitos chamariam de papel enigmático. Pelo peso das ações de seu retratado (o filme, entretanto, enfatiza que Oppenheimer não criou – nem soltou – a bomba sozinho), e também pelo mesmo ser tachado como “mulherengo” e “simpatizante do comunismo”, Murphy conduz seu personagem de forma que não somos obrigados a nos afeiçoar por ele, mas, no mínimo, acompanhá-lo em suas motivações por vezes obtusas, muitas vezes dadas por forças externas. 


(Foto: © Universal Pictures/Divulgação)


A frieza com que o personagem se relaciona com as outras pessoas há de incomodar quem espera se afeiçoar pelo protagonista por hábito (o único momento para isso seria na sequência que envolve a sua jornada acadêmica), mas é evidente que há muito mais em jogo aqui além da bomba e da guerra. Aliás, é mérito de Nolan em contornar a obviedade dos fatos retratados dividindo-os em dois segmentos não cronológicos tal como fizera com destreza em Dunkirk e reparem como o contraste não se dá apenas na fotografia monocromática que circundam a perspectiva do Lewis Strauss de um afiadíssimo Robert Downey Jr.; até a decupagem segue um estilo distinto mais próximo ao documentarismo do Direct Cinema que surgiria na mesma década de 1950. Cada momento se entrelaça a favor da progressão da narrativa e a trilha de Ludwig Göransson faz com que as três horas de filme dificilmente se tornem enfadonhas.


(© Universal Pictures/Divulgação)


Se a música é quase uma constante e os efeitos sonoros têm uma intensidade tremenda (o que não é novidade na filmografia do diretor), é gratificante ver que Nolan subverte expectativas sobre a sequência que poderia ser o maior clímax do filme e entrega aí uma intuitiva construção visual e, sobretudo, sonora (mediante a iminência  de um ruído ensurdecedor, notei que um colega chegou a tampar os ouvidos!) ao se desvencilhar dos hábitos de sincronia na montagem. Quando o longa se dedica a um extenso ato de tribunal, os julgamentos da paranoia anticomunista conta com uma troca de planos meticulosa por conta da montadora Jennifer Lame, sustentando aí a emoção de um processo de resoluções nada fáceis. 


(Foto: © Universal Pictures/Divulgação)


Dos méritos pontuais: Florence Pugh e Emily Blunt  têm seus atos de impacto, mas é um consenso de que as atrizes poderiam ter mais logo entre um elenco masculino de progressão geométrica; a fotografia de Hoyte van Hoytema nos faz considerar ficar mais do que o tempo de duração do longa tamanho esmero de composições, entretanto, não tenho dúvidas de que vai ter gente ralhando sobre a extensão ao invés de se abrir ao conhecimento. E talvez seja essas (e muitas outras) as reações que Christopher Nolan espera do grande público nas salas de cinema que ele tanto preza: uma experiência múltipla e grandiosa que coloca nossa empatia em igual desafio. 

  

Assista ao trailer: 



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